15 março, 2015

No Brasil, um governo destrói o que o outro fez, diz historiador


Protestos de março de 2015



Um dos mais respeitados historiadores brasileiros, José Murilo de Carvalho, 75, afirma que o país, "ciclotímico", é viciado em "auto-sabotagem". 
 
"Um governo destrói o que o outro fez. A consequência é descontinuidade, mau governo, frustração." 

Membro da Academia Brasileira de Letras, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e autor de livros como "Os Bestializados" e "Cidadania no Brasil", Carvalho diz que a atual "situação é de extrema delicadeza e exige muita capacidade de negociação". "Resta agora ver o que dirão as ruas", ressalta. 


Zanone Fraissat - 16.ago.2013/Folhapress
O historiador José Murilo de Carvalho durante evento em São Paulo, em 2013
O historiador José Murilo de Carvalho durante evento em São Paulo, em 2013
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Folha - O que acontece com o Brasil?  

José Murilo de Carvalho - O país é ciclotímico. Está na fase depressiva. Somos viciados em auto-sabotagem. As mesmas pessoas e partido que há poucos anos pregavam o oba-oba do 'nunca antes na história deste país' o levaram ao fundo do poço. Somos um país de cigarras, como na fábula. Não há planejamento de médio, para não falar de longo prazo. 

Um governo destrói o que o outro fez. Tudo gira em torno de consequências imediatas, em geral eleitorais. É o imediatismo oportunista. O passado perde-se no Alzheimer coletivo, o futuro a Deus pertence, o presente é o carpe diem. A consequência é descontinuidade, mau governo, frustração. 

O que explica o atual mal-estar?
 
A queda da economia é fator crucial. O bolso comanda o humor nacional. O único trunfo do governo, o alto índice de emprego, está começando a fazer água. Não faltaram alertas. O maior deles foi o de junho de 2013, que foi ignorado assim que cessaram as manifestações. Ele apontou a frustração dos que subiram a escada social nos anos anteriores. 

Agora, sua própria ascensão está em jogo. Há uma velha teoria das revoluções, ou perturbações sociais, que diz que elas não se dão na riqueza nem na pobreza. Sua causa mais comum é a ascensão seguida de queda. Quem ascendeu provou o fruto do bem-estar e não admite ser expulso do paraíso. 

O que esperar destes dias de tensão política?
 
É hora de muita sensatez por parte das lideranças, sobretudo da oposição. Apoiar o impeachment não é sensato nem eficaz, só vai dar motivo de acusações de golpismo, embora em si ele seja iniciativa legítima e legal já tentada pelo PT. Mas o impeachment tem forte dimensão política, sua oportunidade depende de ampla demanda social. Não creio que a conjuntura esteja madura para ele. É adequado e justo que a presidente eleita seja condenada a descascar o abacaxi que plantou. 

O sr. vê esgotamento no projeto político do PT?
 
Esgotamento talvez não. O projeto do PT no que se refere à inclusão social era e continua sendo um objetivo inegociável. Mas o partido está perdendo, se já não perdeu, a condição de ser seu portador. 

Há um vácuo de liderança?
 
Há um vácuo, sempre perigoso quando se trata do exercício do poder. A presidente recém-reeleita não tem base parlamentar sólida para fazer as reformas que renegou na campanha e agora se vê forçada a levar adiante e nem mesmo o apoio decidido da ala lulista do PT. 

Perdeu força e credibilidade. A situação é de extrema delicadeza e exige muita capacidade de negociação, produto escasso no mercado político. Resta agora ver o que dirão as ruas. 

O sr. vê paralelo entre o atual momento e crises como as de 1954, 1964 ou 1992?

Nos três casos, houve campanha virulenta contra presidentes eleitos. Mas em 54 e 64 havia dois ingredientes importantes inexistentes hoje, a Guerra Fria e os militares. Alguma semelhança há com 1992, quando já não havia Guerra Fria e os militares se mantiveram à distância. Mesmo assim, a presidente tem hoje mais apoio do que tinha Collor e não está, pelo menos por enquanto, envolvida diretamente em malfeitos, como costuma dizer. 

Isto significa que o embate será mais longo e o resultado mais incerto. A atuação firme do Ministério Público e do Judiciário no mensalão, que parece continuar agora no petrolão, pelo menos no que se refere ao Ministério Público, é um fator que favorece uma saída demorada, mas menos traumática.


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