José Nêumanne - O Estado de S.Paulo
25 Fevereiro 2015 | 02h 05
Faltam 46 meses para o governo Dilma acabar. É tolice tentar abreviar
a agonia que, tudo indica (ou melhor, nada indica que não), nos
afligirá em três longas prorrogações deste nada promissor ano de dois
mil e cinzas.
Impeachment já ou logo, como exigem alguns, que prometem
sair em bloco às ruas no dia 15, é inviável e só interessa por enquanto
ao ex abandonado Luiz Inácio Lula da Silva. Este não é mais o ai-jesus
de antes, mas continua sem adversários na oposição, cuja única novidade a
apresentar ao público pagante era a barba de Aécio, que a tirou para
não a pôr de molho.
Talvez venha a ser a mais longa caminhada de um pato manco na História
desta República, pois a chefe do governo só conseguirá ser a líder
política de que o País precisa para administrar a herança maldita que
ela própria se legou se parar de mentir e mancar a cada passo. Por
enquanto, o único sucesso que ela tem a apresentar ao eleitorado que a
levou de volta ao trono é que este não vai vergar sob seu peso por causa
de uma invejável dieta evidentemente bem-sucedida. Fora isso, o que
comemorar de uma governante(a) que só não erra quando cala - lembrando
aquela frase cruel de Romário sobre Pelé: "Calado, é um poeta"?
Dilma cuspiu nos direitos trabalhistas que jurou proteger; aumentou a
tarifa de luz (no Sudeste, calcula-se, em 70%), que prometeu reduzir; e
deixou de pagar o Pronatec, que esfregou na cara do adversário em
campanha.
Agora, para dar um jeito no cofre, transferiu a
responsabilidade para o economista ao alcance. Joaquim Levy saiu do
segundo time do candidato derrotado para assumir o que este teria de
fazer se ganhasse. E deve agradecer a Deus pelos três pontos porcentuais
que ela teve a mais de votos, sempre que se persigna. Cabe-lhe defender
o indefensável e salvar a pele da chefona. Se tiver sucesso, será
substituído por um companheiro fiel às ideias muito próprias que ela tem
da economia. Se não tiver, será apontado como o substituto de Fernando
Henrique na condição de bode expiatório preferencial.
Mesmo tendo um escudo para se proteger do material orgânico em que pode
resultar sua tentativa de corrigir os erros do próprio passado, contudo,
Dilma continua empenhada em dizer e fazer tudo errado. Produziu, por
exemplo, depois da Quarta-Feira de Cinzas a piada do carnaval - que
tinha tudo para ser a do voo da Beija-Flor até a Guiné Equatorial -, ao
transferir a culpa da roubalheira na Petrobrás ao tucano antecessor dos
três governos petistas. Agarrou-se à tábua de salvação da delação
premiada do ex-gerente Pedro Barusco, que confessou ter começado a
roubar discretamente em 1996 (ou 1997?). O professor passou a ser
acusado pelo dilúvio universal bíblico e pela seca em que São Paulo
virou sertão.
Antes de ser acusado pela traição de Calabar e pela amputação dos braços
da Vênus de Milo, o sociólogo desceu das tamancas e bateu abaixo da
linha de sua cintura afinada, ao compará-la com o punguista "que mete a
mão no bolso da vítima, rouba e sai gritando 'pega ladrão'!" O
adversário não foi muito elegante, mas, ainda se levando em conta a
eventualidade, é possível concluir que, tendo sido ministra de Energia,
presidente do conselho de administração da estatal assaltada , chefe da
Casa Civil e presidente no período de 12 anos em que o furto foi
"sistêmico", segundo o delator, ela poderia ter ido dormir sem essa.
A galhofa é nossa, mas sugiro que se preste mais atenção em algo mais
sério que ela também disse ao voltar da mudez dos idos de Momo. Depois
de ter rasgado a bandeira socialista ao garantir que não se apena
empresa, para evitar desemprego, mas gente, para punir corrupção, ela
deu uma guinada de 180 graus ao afirmar: "Isso não significa de maneira
alguma ser conivente ou apoiar ou impedir qualquer investigação ou
qualquer punição a quem quer que seja". E completou, repetindo o
lugar-comum traduzido do portunhol do aliado Collor: "Doa a quem doer".
O noticiário dá-lhe duas boas oportunidades de provar que será coerente
com o "duela a quién duela" que assumiu. Para fazê-lo terá de
interromper imediatamente a tentativa canhestra de seu novo
controlador-geral da União, Valdir Moisés Simão, de celebrar acordos de
leniência com as empreiteiras acusadas de pagar propina a petroleiros,
partidos do governo e políticos aliados para tentar evitar delação
premiada de empresários presos. A proposta foi avalizada pelo
advogado-geral da União, Luís Inácio (que não se perca pelo nome) Adams,
outro funcionário a ela diretamente subordinado, e abençoada pelo
Tribunal de Contas da União (TCU), cuja composição é fiel a seu governo.
É, porém, contestada pelo Ministério Público Federal, que tem todas as
razões do mundo para temê-la. Pois jogaria por terra a oportunidade
inédita que a presidente diz perseguir de, enfim, punir judicialmente
corruptores.
Outro episódio constrangedor para ela é o das audiências do ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo - um dos militantes que não riem da piada
do Fernandinho primeiro bode expiatório -, aos advogados dos
empreiteiros presos. Sabe-se que ele chamou de medievais nossas
masmorras, mas nunca fixou um prego numa barra de sabão para mudar o
fato.
Agora recebe causídicos de luxo, mas não faz idêntico esforço para
conseguir nas varas de execuções penais a soltura de 9 mil
ex-condenados que já cumpriram pena e não saem da cela por não poderem
pagar advogados que tenham acesso à agenda dele. Ou melhor: à agenda
controlada pela assessora de confiança, e não a que aos pagadores de
seus proventos é dado conhecer. Segundo a Folha, o que ele fez em 80 de
217 dias de trabalho desde o início da Operação Lava Jato foi mantido em
segredo, o que torna Sua Excelência o primeiro ministro clandestino da
história de qualquer democracia.
Só atitudes dela contra essas tentativas de melar o jogo dissiparão o
clima de xepa. Segundo minha avó, "desculpa de cego é feira ruim e saco
furado".
*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor
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