Não é preciso ser um sofisticado economista "ortodoxo" ou "heterodoxo",
classificação que, às vezes, apenas esconde duas igrejas secretas que
guardam para si e seus sacerdotes "verdades" que a outra não vê e que,
legítima e reciprocamente, colocam em dúvida, para saber que qualquer
medida de política econômica tem, necessariamente, dois efeitos:
1-) sobre o nível da atividade, um aumento ou uma subtração do PIB, isto
é, do valor adicionado pela combinação do capital e do trabalho e 2-)
sobre como se distribuirão os benefícios (no caso de aumento do PIB) e
os custos (no caso da subtração) do valor adicionado apropriado,
respectivamente, pelo capital (lucro) e pelo trabalho (salário).
No momento em que, pressionados pelas circunstâncias, os países têm de
fazer ajustes fiscais, que, até para efeito de "credibilidade", precisam
ser acompanhados de reformas estruturais, como é o caso do Brasil, um
país em rápido envelhecimento e com péssimas perspectivas para o seu
sistema de seguridade social, o sucesso exige tanto arte política quanto
competência técnica.
O novo programa do governo não pretende ser "ótimo", mas apenas o mais
razoável possível dentro do espaço político disponível. Ele leva em
conta os dois efeitos acima mencionados e tenta calibrá-los sem
comprometer o nível de igualdade de oportunidade que já atingimos
(efeito catraca). O seu grande problema é acordar as esperanças de todos
os agentes e mostrar-lhes que a distribuição dos seus custos tem uma
proporcionalidade que lhe garante o mínimo de moralidade para que não
seja politicamente rejeitado. Como é óbvio, a tarefa só será executada
com a compreensão, aprovação e forte apoio de toda a sociedade.
Honestamente, é preciso deixar de lado a hidrofobia, enfrentar todos os
preconceitos, dar claro apoio ao programa do governo e confiar na
capacidade de execução de seus ministros.
Deixemos de tentar saber se há gasolina no tanque, iluminando-o com um
fósforo aceso. Há! Por mais que seja desagradável, é preciso reconhecer
que a perspectiva da tempestade perfeita continua a nos espreitar. A
alternativa que resta ao Brasil, se não tiver ânimo e forças para
restabelecer, de fato, a sua credibilidade fiscal, é aceitar a perda do
seu grau de investimento.
A partir daí, ainda que as agências de risco estejam meio
desmoralizadas, será uma questão de tempo (não de se...) sermos vítimas
de um turbilhão pelo qual, acreditem ou não os "heterodoxos", os famosos
mercados dos "ortodoxos" vão nos impor o seu "ajuste", pouco se
importando com seus custos ou com os seus efeitos. Nos meus 87 anos, já
vi muito leão virar gato...
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