O pacto nacional-popular articulado pelos governos do PT desmoronou pela
falta de crescimento. Surgiu um fenômeno novo: o ódio político, o
espírito golpista dos ricos. Para retomar o desenvolvimento, o país
precisa de um novo pacto, reunindo empresários, trabalhadores, setores
da baixa classe média. Uma união contra rentistas, setor financeiro e
estrangeiros.
A visão é do economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, 80, que está
lançando "A Construção Política do Brasil", livro que percorre a
história do país desde a independência. Ministro nos governos José
Sarney e FHC, ele avalia que o ódio da burguesia ao PT decorre do fato
de o governo defender os pobres.
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
O economista e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, 80, que está lançando o livro "A Construção Política do Brasil" |
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Folha - Seu livro trata de coalizões de classe. O sr. diz que
atualmente a coalização não é "liberal-dependente", como nos anos 1990,
nem "nacional-popular", como no tempo de Getúlio Vargas. Qual é, então?
Bresser-Pereira - Não há. Desde 1930 houve cinco pactos
políticos. O nacional-popular de Getúlio, de 1930 a 1960. De 1964 ou
1967 até 1977, há um pacto autoritário, modernizante e concentrador de
renda, de Roberto Campos e dos militares.
Depois, há o pacto democrático-popular de 77, que vai promover a
transição. Esse chega ao governo, tenta resolver o problema da inflação e
fracassa. Com Collor e, especialmente com FHC, há um pacto
liberal-dependente, que fracassa novamente.
Aí vem o Lula, que se propõe a formar novamente um pacto
nacional-popular, com empresários industriais, trabalhadores, setores da
burocracia pública e da classe média baixa. O governo terminou de forma
quase triunfal, com crescimento de 7,4%, e prestígio internacional
muito grande. Mas esse pacto desmoronou nos dois últimos anos do governo
Dilma.
Por quê?
O motivo principal foi que o desenvolvimento não veio. De repente,
voltamos a crescer 1%. Houve erros nos preços da Petrobras e na energia
elétrica. E o mensalão. Aí os economistas liberais começaram a falar
forte e bravos novamente, pregar abertura comercial absoluta, dizer que
empresários brasileiros são todos incompetentes e altamente protegidos,
quando eles têm uma desvantagem competitiva imensa.
É o que explica o desparecimento de centenas de milhares de empresas. O
pacto político nacional-popular... Vupt! Evaporou-se. A burguesia voltou
a se unificar.
E achou que podia ganhar a eleição do ano passado?
Sim. Aí surgiu um fenômeno que eu nunca tinha visto no Brasil. De
repente, vi um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, contra um
partido e uma presidente. Não era preocupação ou medo. Era ódio.
Esse ódio decorreu do fato de se ter um governo, pela primeira vez, que é
de centro-
esquerda e que se conservou de esquerda. Fez compromissos,
mas não se entregou.
Continua defendendo os pobres contra os ricos. O
ódio decorre do fato de que o governo revelou uma preferência forte e
clara pelos trabalhadores e pelos pobres. Não deu à classe rica, aos
rentistas.
Mas os rentistas tiveram bons ganhos com Lula e Dilma, não?
Não. Com Dilma, a taxa de juros tinha caído para 2%. Isso, mais o mau
resultado econômico, a inflação e o mensalão, articularam a direita. Nos
dois últimos anos da Dilma, a luta de classes voltou com força. Não por
parte dos trabalhadores, mas por parte da burguesia que está infeliz.
Ao ganhar, Dilma adotou o programa dos conservadores?
Isso é uma confusão muito grande. Quando se precisa fazer o ajuste
fiscal vira ortodoxo? Não faz sentido. Quando Dilma faz ajuste ela não
está sendo ortodoxa. Está fazendo o que tem que fazer. Havia abusos nas
vantagens da previdência. Subsídios e isenções foram equívocos. Nada
mais desenvolvimentista do que tirar isso e reestabelecer as finanças.
Em vez de dar incentivo, tem que dar é câmbio. E de forma sustentada.
Dilma chamou [o ministro da Fazenda] Joaquim Levy por uma questão de
sobrevivência. Ela tinha perdido o apoio na sociedade, formada por quem
tem poder. A divisão que ocorreu nos dois últimos anos foi violenta.
Quando os liberais e os ricos perderam a eleição, muito
antidemocraticamente não aceitaram isso e continuaram de armas em punho.
De repente, voltávamos ao udenismo e ao golpismo. Não há chance disso
funcionar.
Dilma está na direção certa?
Claro. Mas não vai se resolver nada enquanto os brasileiros não se derem
conta de que há um problema estrutural, a doença holandesa. Enquanto
houver política de controle da inflação por meio de câmbio e política de
crescimento com poupança externa e âncora cambial, não há santo que
faça o país crescer. Juros altos só se justificam pelo poder dos
rentistas e do sistema financeiro. Falar em taxa alta para controlar
inflação não tem sentido.
Qual pacto seria necessário?
Um pacto desenvolvimentista que una trabalhadores, empresários do setor
produtivo, burocracia pública e amplos setores da baixa classe média.
Contra quem? Os capitalistas rentistas, os financistas que administram
seus negócios, os 80% dos economistas pagos pelo setor financeiro e os
estrangeiros.
Um pacto assim não fere interesses consolidados?
Em primeiro lugar, fere interesses do capitalismo. Não há nada que o
capitalismo internacional queira mais em relação aos países em
desenvolvimento do que eles apresentem déficit em conta-corrente. Porque
esses déficits vão justificar a ocupação do mercado interno nosso pelas
multinacionais deles e pelos empréstimos deles. Que não nos interessam
em nada. O Brasil está voltando a ser um país primário-exportador. Esse
câmbio alto resultou numa desindustrialização brutal.
No livro o sr. trata das dubiedades da burguesia. Diz que muitos
industriais são hoje quase "maquiladores". Viraram rentistas. Como
compor esse pacto com empresários?
A burguesia tem sido ambígua, contraditória. Em alguns momentos se uniu a
trabalhadores e ao governo para uma política de desenvolvimento
nacional, como com Vargas e Juscelino. Em outros, não foi nacional, como
entre 1960 e 1964. Ali, a burguesia se sentiu ameaçada. No contexto da
Guerra Fria e da Revolução Cubana, se uniu e viabilizou o regime
militar.
Estamos vendo isso novamente. A burguesia voltou a se a unir sob o
comando liberal. Há esse clima de ódio, essa insistência de falar de
impeachment.
Mas esse espírito não vai florescer. A democracia está consolidada e
todos ganham com ela, ricos e pobres. O Brasil só se desenvolve quando
tem uma estratégia nacional de desenvolvimento.
Como define a burguesia hoje?
É muito mais fraca do que nos anos 1950. Tudo foi comprado pelas
multinacionais. O processo de desnacionalização é profundo. Todos que
venderam suas empresas viraram rentistas, estão do outro lado. Mas
continuam existindo empresários nacionais e jovens com ideias. Mas não
há oportunidade de investir com esse câmbio e esse juro. É uma violência
que se está fazendo contra o país. Em nome de uma subordinação da nação
aos estrangeiros e de uma preferência muito forte pelo consumo
imediato.
Os brasileiros se revelam incapazes de formular uma visão de seu
desenvolvimento, crítica do imperialismo. Incapazes de fazer a crítica
dos déficits em conta-corrente, do processo de entrega de boa parte do
nosso excedente para estrangeiros. Tudo vai para o consumo. É o paraíso
da não-nação.
Por que isso aconteceu?
Começamos a perder a ideia de nação no regime militar. Porque os
militares se identificaram com o nacionalismo e o desenvolvimentismo. Os
intelectuais brasileiros aderiram à teoria da dependência associada e
abandonaram a ideia de burguesia nacional e de nação. Porque não há
nação em burguesia nacional. A nação é uma coalizão entre a burguesia
nacional e os trabalhadores com o governo. Depois foi a crise da dívida
externa e o fracasso do Cruzado. Nos anos 1980, o mundo foi dominado
pelo neoliberalismo. Quando veio Lula, ele começou a pensar na era
Vargas. Isso fracassou. Não foi possível fazer essa reconstrução da
nação.
O sr. escreve que Lula foi fortemente social e hesitantemente desenvolvimentista
O desenvolvimentismo não deu certo. Sua política não foi a do novo desenvolvimentista [sobre a qual Bresser-Pereira teorizou].
Desnacionalização preocupa?
Profundamente. É uma tragédia. Vejo uma quantidade infinita de áreas
dominadas por empresas multinacionais que não estão trazendo nenhuma
tecnologia, nada. Simplesmente compram empresas nacionais e estão
mandando belos lucros e dividendos para lá. Isso enfraquece
profundamente a classe empresarial brasileira e, assim, a nação.
Então o senhor está pessimista em relação à burguesia?
A burguesia brasileira está sendo um cordeiro nas mãos do carrasco. O
carrasco é o juro alto e o câmbio apreciado. Ela é incapaz de se
rebelar. Suas organizações de classe se mostram muito fracas. Como vão
defender mudanças no câmbio se têm empresas endividadas em dólar?
Líderes ficam manietados. Eles sentem que estão indo para o cadafalso,
mas não sabem o que fazer; estão divididos.
Não é fato que muitas empresas ganham mais com o mercado financeiro do que com a produção?
Isso também. Na hora em que se transforma uma indústria numa
maquiladora, o câmbio já não importa mais. Porque se importa tudo. É até
bom que seja alto porque seu produto fica barato. O câmbio é importante
quando há conteúdo nacional e se paga salários para trabalhadores e
para engenheiros. Quando não se paga nada disso, acabou, não é mais
empresário industrial. Precisamos de um desenvolvimento baseado na
responsabilidade fiscal e cambial, na afirmação de uma taxa de lucro
satisfatória para empresários, da não necessidade de uma taxa de juros
satisfatória para os rentistas. Para isso é preciso convencer a
sociedade e precisamos de políticos com liderança que sejam capazes de
fazer isso.
O sr. enxerga essa liderança?
Não. O PT perdeu essa oportunidade, que foi a primeira que tivemos desde
o Cruzado. Pode ser que se reconstrua. A indicação do Levy representa
um fracasso para os desenvolvimentistas. Eles não conseguiram fazer o
seu trabalho. Mas não deixaram o país numa grave crise. A crise de 98
foi muito pior.
O sr. se arrependeu de ter apoiado a presidente naquele ato no Tuca?
Não me arrependo. Era preciso escolher entre um candidato
desenvolvimentista e social e um outro candidato liberal, portanto
profundamente contrário aos interesses nacionais, que era o Aécio.
Não houve, então, estelionato eleitoral?
Isso é bobagem. É uma concepção muito grosseira e simplista de entender o
que é desenvolvimentismo. As boas ideias desenvolvimentistas são de
responsabilidade fiscal, portanto ela tinha que restabelecer isso.
Qual sua avaliação do governo Dilma?
Os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula/Dilma fracassaram do ponto
de vista econômico. Quem foi altamente bem-sucedido foi Itamar Franco,
em cujo governo FHC foi herói por causa do Real. Mas nos quatro anos que
ele governou, o câmbio se apreciou brutalmente e resultado foi muito
ruim; houve duas crises financeiras.
No governo do PT houve o boom de commodities, o crescimento dobrou. Lula
teve o grande mérito de fazer distribuição de renda com êxito e foi
muito bom. Mas Lula deixou para Dilma uma taxa de câmbio absolutamente
apreciada. Ela não conseguiu sair dessa armadilha do câmbio altamente
valorizado e do juro alto. Ela tentou nos dois primeiros anos e
fracassou. Não houve retomada dos investimentos industriais porque o
câmbio era insatisfatório e porque precisa tempo para isso.
A economia voltou à sua situação dos últimos 35 anos: semi-estagnação,
um crescimento baixíssimo. Ela tentou a política industrial, um velho
erro dos desenvolvimentistas clássicos, que supõem que ela resolve tudo.
Resolve coisa nenhuma. É uma compensação para uma taxa de câmbio
apreciada no longo prazo que torna as empresas não competitivas e com
expectativas de lucro muito baixas. Ela gastou quase 2% do PIB em
desonerações fiscais que resultaram em nada.
São políticas de enxugar gelo. Sou a favor delas, mas de forma
estratégica, em momentos específicos. Todos os países fazem. Nos
asiáticos foi elas foram muito importantes e continuam sendo. Mas esses
países tinham a macroeconomia absolutamente equilibrada, os preços
macroeconômicos certos.
Como certos?
É uma tese central do novo desenvolvimentismo que venho desenvolvendo
nos últimos 15 anos. Na macroeconomia do novo desenvolvimentismo, países
devem ter cinco preços certos. A taxa de lucro deve ser satisfatória
para os empresários investirem; a taxa de juros deve ser baixa; a taxa
de câmbio dever ser competitiva; a taxa de salários deve ser compatível
com a taxa de lucro dos empresários; a inflação deve ser baixa.
São os pressupostos. No Brasil, desde Plano Real, a inflação é baixa, a
taxa de lucros é insatisfatória para os empresários do setor produtivo, a
taxa de câmbio é absolutamente apreciada no longo prazo. A taxa de
juros permaneceu alta quase o tempo todo. E a taxa de salários cresceu
mais do que a produtividade. Nessas condições, não há economia que
cresça. É preciso fazer ajuste fiscal porque os dois últimos anos
desorganizaram fiscalmente o país. Mas ajuste fiscal não resolve os
problemas do país. Tem que ser feito, estou de acordo com a política do
[Joaquim] Levy agora nesse ponto.
Estamos de volta a uma situação de semiestagnação de longo prazo, que
vivemos há muitos e muitos anos. O Brasil continua numa armadilha
macroeconômica de uma taxa de câmbio altamente apreciada e uma taxa de
juros muito alta. Isso inviabiliza qualquer investimento das empresas
industriais e significa desindustrialização e baixo crescimento ou quase
estagnação. O crescimento da economia brasileira per capita de 1980
para cá é de menos de 1%, é 0,9%. Quando foi de 4,1% nos trinta anos
anteriores. É o país que não faz o 'catching up', não estamos diminuindo
a distância em relação aos países ricos.
Nós brasileiros, no plano econômico, estamos fracassando lamentavelmente
nos últimos 30 e tantos anos. Por que a taxa de jutos é escandalosa. E
mais ainda porque a taxa de câmbio é apreciada no logo prazo desde
1990/1991. O Brasil só cresceu de maneira extraordinária porque
neutralizou a doença holandesa entre 1930 e 1980, que foi o período da
revolução industrial brasileira, quando tivemos um crescimento sem igual
no mundo.
A doença holandesa é uma apreciação permanente e variável da taxa de
câmbio. Decorre do fato de que o país tem recursos naturais abundantes e
baratos, que podem ser exportados com lucros satisfatórios para as
empresas um a taxa de câmbio substancialmente mais apreciada do que a
taxa de câmbio que é necessária para as empresas industriais e de
serviços tecnológicos comercializáveis internacionalmente sejam
competitivas.
Em preços de hoje, as empresas de commodities precisam de uma taxa de
câmbio de R$ 2,50 por dólar. As empresas industriais brasileiras para
serem competitivas precisam, na média, de R$ 3,10. Essa diferença é a
doença holandesa. O jeito de neutralizá-la é através de um imposto. Nós
tínhamos esse imposto, que era o confisco cambial. Foi desmontado com a
abertura comercial de 1990/91.
Eu me penitencio nesse ponto porque, como ministro da Fazenda em 1987,
fui quem deu início formalmente ao processo de abertura comercial.
E agora com o dólar mais elevado, o que muda?
Agora diminuiu a diferença e a doença holandesa fica bem menor. Mas é
temporário. Consequência da queda do preço das commodities, da política
norte-americana e de uma certa perda de confiança na economia
brasileira. Passada a crise ele volta a se apreciar e em termos reais e
vai voltar a girar em torno de R$ 2, 50, não em torno de R$ 3,10. A
desvantagem competitiva vai continuar, o Brasil vai continuar
semi-estagnado, a desindustrialização vai continuar a acorrer.
O senhor está pessimista?
É claro. Não vejo nenhum sinal de que esse problema vai ser enfrentado.
Nem da parte do governo, nem das oposições, nem da academia.
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"A CONSTRUÇÃO POLÍTICA DO BRASIL"
Autor Luiz Carlos Bresser-Pereira
Editora Editora 34
Quanto R$ 65 (464 págs.)
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O Blog Olhar de Coruja deseja ao novo Presidente Jair Messias Bolsonaro tenha grande êxito no comando do nosso País.