>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA há
algumas semanas:
"Vou ali dar umas porradinhas”, disse o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, aos colegas, antes de subir ao púlpito no auditório da
Procuradoria-Geral da República (PGR) em Brasília. Era terça-feira, 9 de
dezembro, dia mundial de combate à corrupção. A PGR sediava uma
conferência internacional em comemoração à data. Como anfitrião, cabia a
Janot o discurso de abertura aos trabalhos do dia. Esperavam-se mais um
daqueles palavrórios anódinos e modorrentos que definem esse tipo de
evento, um discurso de agradecimentos protocolares às autoridades
presentes e generalidades difusas sobre o tema do seminário. Naquela
terça-feira, foi diferente.
Foi diferente, primeiro, porque o Ministério Público comanda a
investigação mais difícil desde que ganhou autonomia, em 1988: o caso do
petrolão, oriundo da Operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF). “Ao
que tudo indica, é o maior e mais complexo caso que já tivemos o desafio
de enfrentar”, disse Janot a ÉPOCA. “Estamos só no começo. Outras
denúncias estão no prelo e já trabalhamos em outras. É um caso difícil,
aprendemos enquanto caminhamos. Há instrumentos novos, como a
colaboração premiada, decisiva para o bom andamento da investigação.
Nossos procuradores estão tecnicamente preparados.” Oito deles compõem a
força-tarefa. “Se surgirem indícios de crime em outros órgãos, teremos
de distribuir o trabalho em novas forças-tarefas. Não se pode querer
abraçar o mundo com as pernas.”
Aquela terça-feira foi diferente também porque o compromisso de Janot com o sucesso das investigações era questionado. Por dentro, em sussurros de subordinados e de delegados da PF que atuam no caso. Por fora, em ataques silenciosos de advogados das empreiteiras acusadas de participar do esquema de corrupção que afunda rapidamente a Petrobras. Uns, de dentro, questionavam o que consideravam a lentidão de Janot em apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF) os pedidos para investigar políticos com foro privilegiado, acusados pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Youssef de participar do esquema. Os outros, por fora, vazavam para a imprensa – com o objetivo óbvio de queimar Janot e, portanto, o caso – que ele negociava uma espécie de acordão para livrar as empreiteiras e o governo.
Aquela terça-feira foi diferente também porque o compromisso de Janot com o sucesso das investigações era questionado. Por dentro, em sussurros de subordinados e de delegados da PF que atuam no caso. Por fora, em ataques silenciosos de advogados das empreiteiras acusadas de participar do esquema de corrupção que afunda rapidamente a Petrobras. Uns, de dentro, questionavam o que consideravam a lentidão de Janot em apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF) os pedidos para investigar políticos com foro privilegiado, acusados pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Youssef de participar do esquema. Os outros, por fora, vazavam para a imprensa – com o objetivo óbvio de queimar Janot e, portanto, o caso – que ele negociava uma espécie de acordão para livrar as empreiteiras e o governo.
Janot se sentiu acossado. E reagiu com as porradinhas. "Diante de um cenário tão desastroso na gestão da companhia (Petrobras), o que a sociedade brasileira espera é a mais completa e profunda apuração dos ilícitos perpetrados, com a punição de todos, todos os envolvidos", disse, para uma plateia que incluía o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. Janot é, antes de tudo, um mineiro - um conciliador por origem e hábito, com as virtudes e defeitos que essa qualidade encerra. Com aquele jeitão de tio legal, com seu rosto afável e sua voz mansa, precisou se esforçar para dar às palavras que proferia o impacto que elas exigiam: "Esperam-se as reformulações cabíveis, inclusive, sem expiar ou imputar previamente culpa, a eventual substituição de sua diretoria". O auditório acordou: o procurador-geral da República pedira a cabeça da cúpula da maior empresa brasileira. Para os poucos ministros do governo que sabiam o que acontecia era o fim.
Havia semanas, ministros, advogados de empreiteiras e - sim - Janot conversavam sobre uma possível saída para a crise provocada pela Lava Jato. Segundo gente que participou dessas tratativas, elas não tinham como objetivo um acordão para livrar corruptos de condenações criminais ou de pesadas multas pelas fraudes à Petrobras. Eram conversas secretas, autorizadas pela presidente Dilma Rousseff, com o intuito de encontrar, se possível, uma solução para o aspecto econômico da crise política.
A pedido do Palácio do Planalto, o BANCO DO BRASIL, a Caixa e o BNDES criaram cenários econômicos para o próximo ano que contemplavam a possível quebra das maiores empreiteiras do país, como Odebrecht, Camargo Corrêa e OAS. E um cenário possível, caso as investigações avancem como se espera. O mesmo foi pedido ao Banco Central e à Receita Federal. As análises foram sombrias. Diziam que a quebra das empreiteiras causaria um efeito deletério à economia brasileira, num momento em que más notícias não faltam. As empreiteiras não teriam condições de pagar o que devem aos bancos públicos, e o calote levaria ao aumento dos juros para outras empreiteiras que pudessem assumir o lugar delas nas obras que o país precisa tocar. Fornecedores das empreiteiras quebrariam junto.
Milhares de funcionários poderiam ser demitidos.
Exagerados ou não, os cenários desenhados dentro do governo "sensibilizavam" Janot. "Não quero que o país quebre, claro", dizia ele. "Mas é preciso punir quem cometeu os crimes." A empreiteira Camargo Corrêa já topara pagar uma multa bilionária e assinar uma confissão - ela e seus executivos. Outras relutavam. O difícil era encontrar uma base legal para qualquer solução. Os processos criminais correm em separado, e ações no Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, que investiga cartéis, teriam de ser negociadas individualmente. Brasília não tem controle sobre as investigações mais graves contra a Petrobras, que correm nos Estados Unidos, por meio do Departamento de Justiça. Elas podem obrigar a Petrobras a pagar, em multas, valores que podem ultrapassar a dezena de bilhões de dólares, segundo integrantes do governo e advogados envolvidos na defesa da Petrobras. Para não falar nas ações coletivas na Justiça americana, que pedem indenização aos acionistas da Petrobras no exterior.
E uma situação cuja gravidade poucos conhecem no governo, e mesmo na Petrobras. O ministro Teori Zavascki, relator do caso no STF, é um dos que estão a par dela. Ele também se mostrara disposto a encontrar uma solução. Na última reunião do grupo, diante das dificuldades imensas, talvez intransponíveis, para chegar a um acordo, Janot se comprometera a buscar, ao menos, uma "matriz fática" sobre o caso. Em outras palavras: estabelecer os fatos do caso - as provas e as possíveis acusações -, para que as negociações pudessem ter algum norte. Foi nesse momento que algumas empreiteiras resolveram vazar que havia em andamento um "acordão". Donde, as porradinhas.
O ato seguinte sobreveio dois dias depois, na quinta-feira, dia 11. Janot viajou de Brasília para Curitiba especialmente para participar do anúncio triunfal da mais importante denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) desde o caso do mensalão, há sete anos. Na verdade, foram cinco denúncias, todas com o mesmo tema: o esquema de corrupção montado na Petrobras por executivos da estatal e das maiores empreiteiras do Brasil. As peças foram apresentadas pelo procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa que investiga o caso, num formato de aula - uma "aula de crime", nas palavras do próprio Janot. Elas foram produzidas pelos procuradores que, ao lado dos delegados da PF, investigam há nove meses as vísceras de um mega esquema sem precedentes. "Essas pessoas, na verdade, roubaram o orgulho dos brasileiros", disse Janot, em referência aos 36 denunciados, entre eles Paulo Roberto, Youssef e executivos de seis das maiores empreiteiras do país, acusados de 154 atos de corrupção e denunciados por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa e falsidade ideológica. "Não será um trabalho rápido. A complexidade dos fatos nos leva a intuir a dimensão dessa investigação. Fica aqui de novo reafirmado o compromisso que, de forma equilibrada, de forma responsável, mas de forma muito firme, essa investigação chegará até o final." O próximo passo, a aceitação da denúncia pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná, começou na última sexta-feira. A Justiça permitirá aos 36 réus apresentar suas defesas, e o julgamento seguirá seu curso normal. Esse não é o único processo no petrolão - é apenas o mais avançado. E, nas palavras de Janot, "só o começo".
As empresas foram acusadas pelos procuradores de formar um cartel para dividir grandes obras, em troca de pagamento de propinas a partidos políticos, que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos. Podem ser condenadas a devolver mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Os principais empreiteiros foram denunciados pelos crimes de lavagem de dinheiro, organização criminosa e corrupção ativa (leia no quadro ao lado). Em alguns casos, os procuradores também os acusam de falsificação de documentos. Somadas, as penas mínimas e máximas podem variar de nove a 35 anos. O cálculo é complexo, uma vez que o juiz Moro deverá levar em conta os atenuantes e agravantes. Alguns crimes, na visão dos procuradores, foram cometidos repetidas vezes, por isso devem ser somados. O MPF deu como exemplos réus que, num cálculo severo, poderiam ser condenados a penas de até 127 anos.
As acusações da semana passada se limitam à Diretoria de Abastecimento, comandada por Paulo Roberto, com apoio do PP e do PT. Os procuradores calculam, com base no que já foi descoberto, que apenas dali foram desviados cerca de R$ 300 milhões entre 2004 e 2012, com pagamentos de propina ainda pendentes em 2014. Essa fortuna está muito longe de ser o total. Ainda há investigações em curso sobre contratos na Diretoria de Serviços, comandada por Renato Duque, com apoio do PT, e Internacional, que esteve nas mãos de Nestor Cerveró e Jorge Zelada, ambos com a bênção do PMDB. Nos próximos meses, mais lobistas, diretores e empreiteiras serão acusados de crimes - e, obviamente, os políticos que comandavam o espetáculo. Os procuradores chegaram a acusações capazes de manter na cadeia executivos das maiores empreiteiras do país graças às delações de Paulo Roberto, do doleiro Alberto Youssef e de Júlio Camargo e Augusto Mendonça, executivos da Toyo Setal. Os quatro detalharam que as empresas combinavam o jogo para obter contratos.
As informações levaram a PF a obter documentos fundamentais para amparar a acusação (leia os fac-símiles na página 44). Um deles, revelado por epoca.com.br, mostra os meandros da intimidade política. Em 2010, a Camargo Corrêa firmou um contrato com a consultoria do ex-ministro petista José Dirceu, na ocasião um réu acusado de comandar o esquema do mensalão. Pelo serviço, a JD Consultoria recebeu R$ 886 mil em dez meses. Pouco antes, a Camargo obtivera um contrato de R$ 4,7 bilhões com a Petrobras. Por meio de sua assessoria, a JD afirma que "prestou consultoria na área internacional à Camargo Corrêa, entre maio de 2010 e fevereiro de 2011". Disse também que, "por razões de confidencialidade contratual, a JD não pode se manifestar sobre a natureza nem os resultados dos serviços prestados".
As empreiteiras demonstram certa predileção por contratar petistas como consultores, ou profissionais que fizeram suas carreiras na órbita petista. A OAS pagou R$ 720 mil por serviços de consultoria à R.S. Consultoria e Planejamento, do sindicalista bancário Sérgio Rosa, ex-presidente da PREVI, o maior fundo de pensão do país. Sérgio Rosa afirma que foi contratado pela OAS para desenvolver estudos sobre parcerias público-privadas. Não quis dizer que projetos eram e afirma que nenhum deles tem relação com a Petrobras. "Não são de conhecimento público, porque até agora nenhum deles foi concretizado", disse. Rosa afirma também que os pagamentos foram depositados na conta de sua empresa no BANCO DO BRASIL. Anotações em papel tratam também de uma consultoria prestada pelo ex-ministro petista Luiz Gushiken, morto em 2013, por R$ 420 mil.
Documentos assim foram obtidos no dia 14 de novembro, na ação conhecida como Juízo Final, na sede das empreiteiras. O maior tesouro foi descoberto por policiais federais quando vasculharam as salas de diretores na sede da Engevix, em Barueri, região metropolitana de São Paulo. Na sala de um deles, Cristiano Kok, foi encontrado o mais precioso conjunto de informações que corroboram a existência do cartel. Interrogado pelos policiais na superintendência da PF em São Paulo, Kok preferiu ficar em silêncio. Os papéis falam por ele. São planilhas e atas de reuniões que, segundo as investigações, eram realizadas para fazer a partilha dos contratos da Petrobras. Os autores desses documentos usavam eufemismos como "bingo", "jogadores" e "prêmios" para designar licitações, empresas e contratos, respectivamente (leia na página 44).
Nos papéis encontrados na Engevix, há o nome de 16 empresas, entre elas as seis cujos executivos foram denunciados na semana passada. As empresas são identificadas por iniciais. Algumas planilhas se referem ao "Bingo Fluminense", referência, segundo os policiais, à Refinaria Comperj, no Rio de Janeiro. "A quadrilha contava com regulamento, com regras bem definidas. Era um jogo de cartas marcadas. Reuniões secretas eram realizadas para definir quem ganharia as licitações e quanto ganharia", afirma o procurador Dallagnol. As informações colhidas da Engevix confirmam o que foi dito por Paulo Roberto, por seu companheiro de negócios Youssef e pelos executivos Camargo e Mendonça, da Toyo Setal.
Mendonça já mencionara que o jogo tinha até um regulamento, semelhante a campeonatos de futebol. A Engevix pode ser condenada a devolver R$ 212 milhões aos cofres públicos.
Outro dos "jogadores", a Galvão Engenharia, tem ligações com o lobista Fernando Baiano, apontado como um dos mais ativos participantes desse jogo que rendia bilhões. Os investigadores acusam a Galvão de enviar dinheiro pelo banco Safra de Nova York, por meio de contratos suspeitos de empréstimo, usados para lavar recursos. Entre 2008 e 2010, a Galvão passou US$ 10 milhões a uma empresa chamada Pollux. Posteriormente, a Pollux passou US$ 15 milhões a outra empresa, de nome Halley. Por coincidência, delatores afirmaram à PF que o lobista Fernando Baiano, descoberto por ÉPOCA em março e hoje preso na superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, usava uma empresa de nome semelhante, "Harley". A Galvão é uma das empresas que, ao longo das investigações, admitiram ter pagado propina ao esquema. Ela apresentou até as notas fiscais de R$ 8,8 milhões. As afirmações partiram de Erton Medeiros, preso e agora denunciado pelo MPF. Como ele, Sergio Cunha Mendes, da Mendes Júnior, admitiu ter pagado R$ 8 milhões. Disse que foi "extorquido".
A denúncia aceita pela Justiça na semana passada é uma etapa importante da investigação, mas está longe de encerrá-la. Falta aprofundar os fatos relativos aos desvios cometidos nas Diretorias de Serviços e Internacional - e também em outras áreas da administração pública. Nas 570 páginas das cinco denúncias, os procuradores pedem que os executivos permaneçam presos, porque há indícios de que o esquema do "bingo", do cartel para obter obras mediante pagamento de propina, se repetia em outras empresas estatais. O próprio Paulo Roberto afirmara que o cartel se reproduzia em estatais do setor elétrico e ferroviário. Recentemente, os investigadores descobriram indícios de conchavo de empreiteiras em contratos da Infraero, empresa que cuida de alguns dos principais aeroportos do país.
A Camargo Corrêa informou, por meio de nota, que "pela primeira vez seus executivos terão a oportunidade de conhecer todos os elementos do referido processo e de apresentar sua defesa com a expectativa de um julgamento justo e equilibrado". A UTC afirmou que seus advogados só se manifestarão depois de analisar a denúncia. A Engevix informou que "prestará os esclarecimentos necessários à Justiça". A Mendes Júnior disse que "até este momento, entende que há um excesso de acusação em relação às pessoas e aos fatos. Como houve inclusão de outras pessoas estranhas à empresa na denúncia, não há como afirmar que a Mendes Júnior é responsável pelos atos listados". A Galvão Engenharia informou que não se manifestaria. A OAS não respondeu.
Os próximos movimentos de Janot serão cruciais para o andamento das investigações. Ele se comprometeu a pedir ao relator do processo no STF, o ministro Zavascki, que remeta ao Paraná, quanto antes, todas aquelas informações da delação premiada feita por Youssef sem relação com os políticos. Se a iniciativa de Janot obtiver êxito, os procuradores paranaenses poderão imprimir maior velocidade à investigação. Janot também poderá delegar trabalho a procuradores de outros Estados, para avançar naquelas frentes que extrapolam as irregularidades relacionadas à Petrobras e os próprios limites da força-tarefa criada no Paraná. Não é uma equação simples para Janot. Como chefe do MPF, caberá a ele resistir às pressões políticas, comandar os procuradores para que façam bom uso do material encontrado até aqui e do que surgirá com o andamento das investigações.
"Pela primeira vez conseguimos, numa investigação, quebrar o sistema da corrupção: pegamos os corruptos e os corruptores. Quebrando esse sistema, fica mais difícil que ele se retroalimente, como acontece hoje", diz Janot. Ele acredita que, para que o país avance substancialmente no combate à corrupção, é fundamental também o trabalho do Congresso. "É preciso que nossa classe política acorde para a necessidade de reformulação do sistema político e eleitoral. Espero que a dimensão desse caso e as consequências colaborem nesse sentido. Seria a limonada.
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