Ao contrário de dois anos atrás, quando a eleição do deputado Henrique
Alves (PMDB-RN) para a Presidência da Câmara foi um passeio, o pleito de
amanhã para o mesmo cargo será objeto de intensa disputa. Explica-se.
Haverá uma espada de Dâmocles sobre Dilma Rousseff caso Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) confirme o favoritismo que construiu no último biênio. Para
evitá-la, o PT lançou candidato próprio, Arlindo Chinaglia (PT-SP).
A guerra entre o parlamentar carioca e a presidente da República remonta
pelo menos ao início de 2011, época em que a mandatária tinha força
para fazer faxina. Naquela circunstância, Dilma tirou da direção de
Furnas o indicado por Cunha. A estatal tem orçamento bilionário e o
controle da mesma é disputado a tapa, por motivos não propriamente
republicanos. O legislador parece nunca ter perdoado o gesto.
De lá para cá, houve sucessão de conflitos. Convertido em líder
peemedebista no começo de 2013, Cunha comandou rebeliões da segunda
maior bancada contra o governo. O mais espetacular dos levantes ocorreu
em 11 de março passado, quando por 267 votos a 28, os parlamentares
decidiram criar comissão externa para investigar denúncias contra a
Petrobras na Holanda. A Operação Lava Jato seria deflagrada uma semana
depois.
Este é o ponto crucial. O escândalo em curso constitui exceção à regra
nas denúncias, investigações e intrigas que acompanham a política. Na
esteira da Ação Penal 470, o caso agora em pauta tem potencial para
abalar todo o establishment e ninguém sabe ao certo até que camadas vai
perfurar.
Em primeiro lugar, pelo volume de dinheiro envolvido. Embora seja
imprecisa a quantia mobilizada, fala-se em cifras astronômicas. Em
segundo, pelo fato inédito de ter-se detido altos executivos de enormes
empreiteiras. Empresas de construção são personagens de negócios
questionáveis com o Estado desde sempre, mas dirigentes detidos é raro
ver.
And last, but not least, as construtoras podem enredar figuras dos três
maiores partidos (PT, PMDB e PSDB), sobretudo se também for investigado o
cartel dos trens em São Paulo. Num clima social marcado pelo que "se
vayan todos" –recessão, falta de água, falta de energia etc.– as
notícias geram clima de "se gritar 'pega ladrão' não sobra um, meu
irmão".
A vantagem de Dilma no contexto confuso e instável é a reconhecida
honestidade pessoal, atestada até pela oposição. Ainda assim, ter na
chefia da Câmara inimigo declarado e pertinaz é problema para qualquer
ocupante do Planalto. Segundo na linha sucessória, o comandante da Casa
do Povo tem o poder de arquivar –ou não– qualquer eventual e, mesmo que
por completo descabido, pedido de impeachment.
Entro em férias. Volto no dia 28/2. Até lá.
André Singer é cientista político e professor da USP, onde
se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário
de Imprensa da Presidência no governo Lula.
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