Tentam criar um movimento de simpatia por Dilma, “agredida” pelas
brincadeiras comparando a presidente na posse a um bujão de gás. De
fato, como no episódio dos xingamentos nos estádios da copa, dá para
rastrear o conteúdo machista da coisa. E, de fato, como a presidente se
veste ou deixa de se vestir não tem nada a ver com seus (de)méritos
políticos.
Acontece que: a) Dilma não é, nem de longe, uma guardiã da dignidade
nacional. Pelo contrário, suas indicações para o ministério e outros
escalões deixam clara a urgência de se compor ainda mais visceralmente
com tudo que a política nacional tem de grotesco, atrasado e patriarcal,
dos coronéis tiozões estupradores acaju aos pastores e estalinistas
ancorados nos séculos passados.
E b) é irreversível o processo de transformação de Dilma em uma
figura ridícula, uma pseudogovernante à deriva entre o colapso do
projeto político do PT e sua própria falta de estofo. O que resta para
defender agora não é Dilma, mas a ilusão de seus eleitores de que de
alguma maneira ela representaria algo socialmente mais aceitável que
Aécio – ou Marina. Por falar em Marina, não me lembro de que a
militância petista tenha se incomodado com as calúnias e ofensas de
campanha contra esta outra senhora, ex-companheira, e (ela sim, por seu
histórico combativo) um “Lula de saias”.
Está derretida a narrativa novelesca do “coração valente”. E o que
sobra (ou o que sempre esteve lá) é a burocrata limitada, irascível e
metida a centralizadora da economia (e inimiga da cultura) de sempre.
Que se descontrola quando um deputado petista como Marco Maia sugere,
muito sensatamente, que a diretoria da Petrobrás encabeçada por Graça
Foster poderia ser substituída – coisa que seria a primeira opção num
contexto político mais racional, fosse essa diretoria diretamente
culpada pela corrupção ou não.
Do novo ministério, meus “prediletos ao contrário” são Kátia Abreu na
Agricultura, militante da destruição do meio ambiente, do assassinato
de índios, da grilagem de terras e do trabalho escravo; Aldo Rebelo na
Ciência e Tecnologia, igualmente inimigo do meio ambiente, e até da
própria inovação tecnológica; o pastor George Hilton nos Esportes,
absolutamente ignorante na área, ou em diversas áreas (voltaremos a
esses dois). Claro, há vários outros nomes problemáticos, como Helder
Barbalho, o filho do ícone da corrupção, Jader; Eduardo Braga (que é um
dos novos ministros que sofrem processos judiciais, ao lado de Helder e
Kátia); Gilberto Kassab; Eliseu “Quadrilha” Padilha etc. Tem para todos
os desgostos.
Quanto à equipe econômica, nem interessa se é boa ou não: interessa
que ela representa a política de Aécio – piorada. E que é a negação
perfeita de tudo que Dilma disse em campanha. Se era para fazer isso,
não seriam Dilma nem o PT os indicados a conduzir o processo. Os
inevitáveis encontrões já começaram, com Dilma mandando Nelson Barbosa, o
ministro do Planejamento, se retratar de suas primeiras declarações no
cargo (aqui uma boa análise, pela esquerda).
E nem falamos ainda de cargos-prêmios-de-consolação em outros
escalões, para gente como Garotinho. É muito simbolismo errado, para uma
ou outra migalha inteligente e positiva, como a volta de Juca Ferreira à
Cultura (que já avisa, cauteloso, que o começo de mandato não será
fácil).
Surpreendendo quem achava que não haveria catástrofe maior no
ministério do que a indicação de Kátia Abreu (eu desenvolvo o assunto
neste texto, KA é o terceiro turno: entre PT e PT),
as escolhas infelizes de Aldo Rebelo e George Hilton são talvez ainda
mais chocantes. Entre outras bobagens nacionalistas e pseudomarxistas de
Aldo, como a tentativa de instituir o Dia do Saci e de barrar o uso de
estrangeirismos, destacam-se uma lei contra a inovação tecnológica, e sua incrível declaração antifloresta, como se segue.
“Assim se apresenta o caso da conquista econômica da Amazônia: luta
tenaz do homem contra a floresta e contra a água. Contra o excesso de
vitalidade da floresta e contra a desordenada abundância da água dos
seus rios. Água e floresta que parecem ter feito um pacto da natureza
ecológica, para se apoderarem de todos os domínios da região. O homem
tem que lutar de maneira constante contra esta floresta que superocupou
todo o solo descoberto e que oprime e asfixia toda a fauna terrestre,
inclusive o homem, sob o peso opressor de suas sombras densas, das
densas copas verdes de seus milhares de espécimes vegetais, do denso
bafo de sua transpiração. Luta contra a água dos rios que transformam
com violência, contra a água das chuvas intermináveis, contra o vapor
d’água da atmosfera, que dá mofo e corrompe os víveres. Contra a água
estagnada das lagoas, dos igapós e dos igarapés. Contra a correnteza.
Contra a pororoca. Enfim, contra todos os exageros e desmandos da água
fazendo e desfazendo a terra. Fertilizando-a e despojando-a de seus
elementos de vida. Criando ilhas e marés interiores numa geografia de
perpétua improvisação, ao sabor de suas violências”, disse Aldo, citando
Josué de Castro, em seu parecer sobre o Código Florestal. Começo a desconfiar que a guerrilha do Araguaia, conduzida por seu partido, o PC do B, era contra… o mato.
Já sobre o pastor George Hilton para os Esportes, não há muito a acrescentar ao que Juca Kfouri revela aqui e aqui.
O autodenominado “radialista, apresentador de televisão, teólogo e
animador” foi expulso do PFL, que não era nenhum campeão de ética, por
tráfico de dinheiro. E representa não se sabe o que no ministério, em
época de preparação de Olimpíadas. Talvez proceda a especulação de Janio de Freitas,
em sua coluna de hoje, que nota que (além de Hilton em Brasília) “em
Minas o governador Fernando Pimentel entregou a secretaria de Esportes a
um pastor. Geraldo Alckmin nomeou um pastor para sua secretaria de
Esportes. Os três são pastores da igreja Universal (…) Só na aparência o
estado do Rio fica fora dos domínios da Universal. A secretaria de
Esportes do governo Pezão foi dada a um jovem filho de Cabral, o que
significa entendimento com a igreja de Macedo”.
Mas o que explica essa desgraça anunciada do novo ministério Dilma? Nesta outra interessante análise pela esquerda,
André Singer (que chama as escolhas de kafkianas) lembra que “com o
megaescândalo da Petrobrás, o intuitivo seria Dilma nomear um honrado
ministério técnico de alto nível (…) Isso a blindaria contra qualquer
possível denúncia. Porém, por mais paradoxal que pareça, à medida que as
revelações prosseguem, a presidente fica refém da opção oposta. Ocorre
que Dilma precisa munir-se agora da maior base congressual possível,
pois quando o navio começar a balançar, os mais fisiológicos irão rápido
para a oposição, tornando o palácio alvo de isolamento e chantagem. Mas
para montar tal suporte, ela precisa recorrer exatamente àqueles que
estão na mira da Operação Lava a Jato (…) Em outras palavras, para
proteger-se do escândalo, precisa apoiar-se nos que estão nele
enredados”. O colunista tem enfocado com precisão esses paradoxos da
eleição de Dilma, como fez aqui e aqui . Singer foi porta voz da presidência, no primeiro governo Lula.
Fica claro, com o choque de realidade após o delírio esquerdista das
eleições, que o problema não são os supostos “petralhas”, ou seja, a ala
corrupta do PT (que existe, como de resto, em qualquer partido que
chegue ao poder). O problema é o que poderíamos chamar de petrouxas, ou
seja, quem acredita num “petismo mágico” – segundo o qual basta “votar
certo”, no personagem “do bem”, para que a política se mantenha no curso
de correção. Ou talvez pelo anseio de uma “alma coletiva”, como provoca Claudio Tognolli.
Mas, ao contrário do que creem os petrouxas, o PT tem canalizado o
oposto dos anseios de melhoria do país, tentando varrer suas mazelas
para baixo do tapete – e transformando-as assim em mazelas nacionais.
O PT descuidou do Brasil. É incapaz de dar conta de um certo anseio
de moralidade. Esse anseio não é 100% “errado”; as pessoas têm direito a
se sentirem num ambiente seguro – a definição do que é “seguro” é que
depende do preconceito delas. Mas, defensivamente, o petismo
desqualifica esse anseio, para não ter que pedir desculpas pelos erros
no exercício do poder (mesmo tendo sido esse impulso moralizador um dos
componentes centrais do seu sucesso eleitoral). A dívida política do
país com Lula não só já foi paga (na primeira eleição de Dilma), como
agora já estamos entrando fundo no prejuízo.
Aliás, foi de Lula o lance mais
estranho (ou não), nos últimos dias. Ele se diz insatisfeito com o novo
ministério de Dilma – de quem é não apenas o mentor, mas o fiador
político e, literalmente, o inventor (já que Dilma não tem nenhuma
história política pregressa notável, a não ser a passagem pela
guerrilha). E que vai montar um grupo político para abrir uma
interlocução com os movimentos sociais – esses mesmos que estão sendo
desdenhados, após terem reeleito Dilma, por estreita margem –, para
“pressionar a presidente” nos próximos quatro anos. Já Dilma
confidenciou aos colaboradores que nunca se sentiu tão “livre” (de Lula e
do PT, supõe-se). Resta saber se é tudo jogo de cena, ou se Lula foi
escanteado mesmo. Ou seja: saber se Lula é o supremo petralha, ou o
supremo petrouxa.
Comentário da blogueira: como fui eu ou uma das que postou foto da D. Dilma travestida de bujão de gás me sinto na obrigação de agradecer a Alex Antunes por esta matéria. Se a minha comparação é um desrespeito com Dilma que seria apenas perjúrio, os crimes de Dilma contra a população seria o quê?
A propósito, esta charge está impecável!
Leopoldina Corrêa
Os PTrouxas que elegeram esta "coisa" arrastaram-nos com eles para o precipício.
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