MP entra com ação cautelar para evitar acordos de leniência entre empreiteiras e governo Dilma
Medida pede que Tribunal de Contas da União suspenda poderes da Controladoria Geral da União
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União entrou ontem (20.fev.2015) à noite com um pedido de ação cautelar
contra a celebração de acordos de leniência entre o governo federal e
as empreiteiras acusadas de corrupção no âmbito da Operação Lava Jato.
[GLOSSÁRIO: Ação cautelar é
uma medida que busca a assegurar um direito de maneira preventiva
quando há risco de que algum ato possa prejudicar o processo principal. Acordo de leniência
é um acerto entre uma empresa e órgãos reguladores: a firma aceita a
culpa, paga uma multa, promete ajustar sua conduta e sai livre de outras
punições].
O receio do Ministério Público é que um acordo de
leniência agora entre empreiteiras acusadas de corrupção e o governo
federal (por meio da Controladoria Geral da União) possa atrapalhar o
processo de investigação em curso, conduzido pela Justiça Federal no
Paraná, com o apoio de procuradores e da Polícia Federal.
Haveria
risco de o governo federal “atravessar” o atual processo de
investigação, como escreveu o procurador Júlio Marcelo de Oliveira no
pedido de ação cautelar ao presidente do TCU, Aroldo Cedraz:
“Fere
a lógica da divisão harmônica de poderes e competências entre os
diversos órgãos da República que, estando uma operação em curso,
conduzida pelo Ministério Público Federal, com suporte da Polícia
Federal, com amplas repercussões cíveis e penais, possa um órgão do
Poder Executivo, com esfera de atuação muito mais limitada, atravessar a
operação para celebrar acordos de leniência que tenham por substrato
fático o mesmo conjunto de fatos já investigados pelo Ministério Público
Federal”.
O contexto desse caso é simples. Interessa ao governo
federal livrar as grandes empreiteiras do país de punições que possam
inviabilizar a operação dessas empresas, vitais em centenas de obras de
infraestrutura no país. Por essa razão, o Palácio do Planalto tem
buscado formas para socorrer as principais construtoras brasileiras –que
são, também, relevantes doadoras de dinheiro para campanhas políticas.
O
procurador Júlio Marcelo diz ter sido provocado a entrar com o pedido
de ação cautelar depois de receber uma manifestação assinada pelas
seguintes entidades: Associação Contas Abertas, Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) e Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União.
O
que chamou a atenção do Ministério Público e das entidades que estão
contra o acordo de leniência entre CGU e empreiteiras foi uma operação
muito rápida do governo para tentar esse caminho.
O Tribunal de Contas da União aprovou uma instrução normativa (a 74/2015) na semana passada a respeito do tema. A decisão do TCU se ampara na Lei Anticorrupção (12.846/2013),
que ainda não foi regulamentada. Pela norma adotada, o TCU passa a ter o
poder de ser avalista dos acordos de leniência entre a CGU e as
empreiteiras citadas na Operação Lava Jato.
A instrução do TCU foi
aprovada em uma rápida sessão no último dia 11.fev.2015, a quarta-feira
antes dos feriados de carnaval. O governo federal fez pressão sobre
vários ministros do TCU para que a medida fosse adotada o mais
brevemente possível.
Para derrubar a instrução do TCU será
necessário que o Congresso (Câmara e Senado) aprovem um projeto de
decreto legislativo já protocolado pelo PPS, um dos poucos partidos na
oposição ao governo federal.
A Lei Anticorrupção é confusa e ainda
não foi regulamentada. A lei 12.846 de fato estabelece a possibilidade
de a Controladoria Geral da União ser “o órgão competente para celebrar
os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal”, como está
escrito no parágrafo 10 do artigo 16.
Ocorre que no caso da
Operação Lava Jato o agente corruptor (empreiteiras) estará então
celebrando um acerto diretamente com o agente corrompido (o governo
federal, uma vez que a Petrobras é controlada pela União).
Em seu
pedido de medida cautelar, o procurado Júlio Marcelo argumenta que “as
prerrogativas de investigação” e “de independência e autonomia” do
Ministério Público Federal são mais amplas do que as da CGU, “órgão de
controle interno, com espectro de atuação muito mais limitado,
subordinado à Presidência da República, sem a independência e a
autonomia necessárias para conduzir questões da amplitude e gravidade
como essa com que depara o país na operação Lava Jato, provavelmente o
maior escândalo de corrupção do mundo em todos os tempos”.
Há
ainda um outro componente que sugere um choque entre os Poderes da
República. Se a CGU fizer um acordo de leniência neste momento com
empreiteiras da Lava Jato, as investigações conduzidas pela Justiça
Federal, ainda em curso, resultarão nulas para efeito judicial
condenatório mais adiante.
“Ou seja, o Poder Executivo federal,
por meio da CGU, estaria manietando a ação de um juiz mais na frente,
que não poderia mais condenar as empreiteiras sobre as quais possa haver
provas robustas sobre corrupção”, diz o procurador Júlio Marcelo.
Na
ação cautelar proposta, o procurador escreve: “A possibilidade de
celebração de acordos de leniência pela CGU no âmbito da operação Lava
Jato só faz sentido para aquelas pessoas jurídicas que já fizeram acordo
de leniência com o Ministério Público Federal, o que traria para o
colaborador que efetivamente trouxe ganhos para a investigação
benefícios correspondentes e merecidos na esfera administrativa. Já o
contrário não faz sentido”.
Na parte final de sua ação, o
procurador pede que “seja determinado à Controladoria Geral da União que
se abstenha de celebrar quaisquer acordos de leniência com empresas
envolvidas na operação Lava Jato que não tenham já celebrado acordos de
leniência com o Ministério Público Federal, de modo a evitar que se
celebrem acordos que possam atrapalhar o curso das investigações”.
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