22 fevereiro, 2015

A receita para quebrar o Brasil

ELIO GASPARI

Dois exemplos do que se faz, sem muito barulho, para destruir as contas públicas, arruinando o país

Em novembro a doutora Dilma sancionou um projeto refinanciando as dívidas de Estados e municípios. Coisa de R$ 500 bilhões, que deveriam ser pagos até 2039. Governadores e prefeitos que herdaram o espeto mexeram-se para mudar as condições de pagamento. No carro-chefe ficou o comissário de São Paulo Fernando Haddad. Argumentava que a cidade tinha perdido a capacidade de investimento. Mudando-se o sistema, sua dívida cairia de R$ 62 bilhões para R$ 36 bilhões. Como dinheiro não nasce em árvore, a Viúva perderá receita. Neste ano, seria uma mixórdia, apenas R$ 1 bilhão. Quem pagou tudo direitinho ferrou-se.

Esse assunto não tinha personagens satanizáveis nem podia ser tratado como um escândalo. Teve até o apoio do PSDB. Virou uma coisa boa.

Quatro anos antes, o mesmo Fernando Haddad estava no ministério da Educação e mudou as regras do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, o Fies. Vivendo na ponta que distribui dinheiro, baixou os juros para 3,4% ao ano, ampliou os prazos de pagamento para três vezes o tempo de duração do curso e relaxou as exigências para os fiadores. Criou-se a fiança solidária, bastando juntar três colegas da faculdade. De onde sairá o dinheiro emprestado a juros subsidiados e em condições imprevisíveis de retorno? Um palpite: da bolsa da Viúva.

Aquilo que poderia ser uma boa iniciativa virou uma estatização do risco do financiamento das universidades privadas. Esse tipo de crédito é socialmente necessário, desde que seja matematicamente sustentável. Faculdades estimularam seus alunos a migrar para o Fies e, com isso, o número de bolsistas passou de 150 mil em 2010 para 4,4 milhões em 2014. Os financiamentos pularam de R$ 1,1 bilhão para R$ 13,4 bilhões. Há faculdades onde os alunos que pagam as mensalidades tornaram-se uma raridade. Formaram-se conglomerados universitários, com ações na Bolsa. O repórter José Roberto Toledo mostrou que, entre 2012 e novembro de 2014, enquanto o Ibovespa caiu 18%, as ações do grupo Kroton, com um milhão da alunos, valorizaram-se em 500%. (Em 2014 o grupo recebeu R$ 2 bilhões do Fies, cifra inédita até para a Odebrecht.)

O ministro Cid Gomes quis colocar método na maluquice, exigindo padrões de desempenho acadêmico às escolas, notas melhores dos alunos para o acesso ao programa e associou parte do desembolso à formatura do jovem. Prenunciou-se uma ªcatástrofeº. Ou, nas palavras de Gabriel Mario Rodrigues, presidente da guilda da escolas privadas, ªo governo fez uma cagadaº, ªo ministro não é do ramoº e ªfala demaisº. Com toda razão, ele diz que ªnão podemos confiar no governoº. Nem eles nem a torcida do Flamengo. Com a ajuda de parlamentares e de ªgente trabalhando nas altas esferasº (em quem confiam), as empresas se articulam para desossar as medidas.

Ganha um fim de semana na Guiné Equatorial quem acredita que esses financiamentos dados com critérios frouxos e fianças capengas fecharão a conta na bolsa da Viúva. Vem por aí outro rombo. Como aconteceu com a dívida dos Estados e municípios, certamente será renegociado, noutros governos. É assim que se quebra um país. 

CPI

Será instalada nesta semana a terceira CPI para investigar roubalheiras na Petrobras.

Na melhor das hipóteses, vai dar em nada, como as demais. Na pior, vai dar em tenebrosas transações, como aconteceu com suas antecessoras que investigaram as tramoias de Carlinhos Cachoeira e aquelas praticadas no Banestado. 

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e está preocupado com a composição do Supremo Tribunal Federal em 2021. Seis anos depois de ter sido deflagrada a Operação Castelo de Areia, o ministro Luís Roberto Barroso sepultou-a. Ela investigava roubalheiras de empreiteiros. O cretino teme que aconteça a mesma coisa com a Lava Jato.

Em todos os casos, essas investigações atolam porque descobre-se que foram alavancadas por ações ilegais. Contaram-lhe que esse respeito ao que parecem ser pequenos detalhes foi estabelecido nos Estados Unidos em 1966, no caso de Ernesto Miranda, um cidadão acusado de ter matado uma menina. Ele confessou o crime, mas a polícia não lhe disse que tinha o direito de ficar calado. Miranda recorreu à Corte Suprema numa folha de papel almaço, ganhou e foi libertado. Daí em diante, tornou-se sinônimo do direito dos presos.

Eremildo foi atrás desse caso: O processo foi reaberto na primeira instância, Miranda foi a um novo julgamento e tomou uma cana de vinte anos. Libertado condicionalmente em 1972, morreu numa briga de bar.

Eremildo concluiu que, quando a Justiça quer, funciona. 

Festa

Marta Suplicy comemorará seu aniversário com uma festa no dia 20 de março.

Mais uma dor de cabeça para os petistas que pensam em apagar seu verbete da enciclopédia soviética. 

DE SOBRAL.PINTO@EDU PARA JUIZ.MORO.JUS 

Meritíssimo juiz Sergio Moro,

Quando eu estava aí, minhas cartas eram longas. Esta será curta. O senhor disse que o encontro dos advogados das empreiteiras com o ministro da Justiça é ªintolerávelº. Não é. Falta o senhor provar que eles trataram de assuntos impróprios. Fui de um tempo em que advogados iam para a cadeia porque defendiam comunistas. Na minha conta devem ter sido uma dezena, alguns deles sequestrados. Meteram-me numa enxovia em Goiás. Veja só: nós sabíamos que nossos clientes eram comunistas, mas nosso papel era defendê-los. Eu nada cobrava a eles. Como magistrado, o senhor tem duas obrigações: encarcerar os delinquentes e assegurar-lhes a defesa.

Acredite, jovem, mas até hoje o general Ernesto Geisel fecha a cara quando passa por mim. Não faz isso porque eu defendia subversivos durante a ditadura, mas porque em 1924, aos 31 anos, durante o governo de Artur Bernardes, eu era procurador criminal e tinha sob a minha exclusiva responsabilidade a direção da repressão legal aos criminosos políticos civis e militares que haviam atentado contra a ordem constitucional. Processei conspiradores e fui o iniciador no país da campanha eficiente contra o comunismo. Geisel fecha a cara porque entre os presos da época estavam os famosos ªtenentesº que, como ele, viriam a ser os corifeus da ditadura de 1964. Como procurador, processei sediciosos e comunistas. Como advogado, defendi sediciosos e comunistas. Servi sempre ao direito. Não gosto de falar de colegas, mas guardo lembranças amargas de magistrados que se encantaram com o poder dos palácios ou com as vozes da rua.

Até hoje não vi na vossa conduta sinais de arbitrariedade. Não posso dizer se as prisões que o senhor decretou alongam-se em demasia, mas como procurador eu também não gostava de soltar presos.

Respeitosamente

Heráclito Sobral Pinto, advogado



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