A ligeireza com que Dilma tentou transformar deficit em superavit é uma aberração aritmética, técnica e jurídica
Convenham: um governo que só esperou o desligamento das urnas para
elevar a taxa de juros, corrigir a tarifa da energia e aumentar o preço
dos combustíveis merecia mesmo perder a eleição. Um governo que retardou
a divulgação de dados sobre o desastre fiscal e sobre o aumento da
miséria tinha mais era de ser derrotado, ora essa! Que resultado poderia
esperar, senão o desastre eleitoral, um governo que leva a economia à
paralisia, os juros à estratosfera e a inflação para o teto da meta?
Teria como colher a vitória um governo que fabricou o pior PIB de um
quadriênio, quando os seus vizinhos no continente e economias congêneres
cresceram muito mais e com menos pressão inflacionária? Que sorte,
afinal, poderia ambicionar um governo que não entendeu os novos sinais
da economia mundial; que insistiu no exaurido modelo ancorado no consumo
interno; que viu, inerme, minguar a indústria; que leva, a passos
largos, o país de volta à condição de economia primário-exportadora? É
claro que um governo como esse não tinha mesmo como ganhar a eleição.
E, no entanto, ele ganhou! E agora? Agora sei lá! Sabe lá a própria
Dilma. Sabe lá o Mercadante. Sabe lá o diabo. Sabe lá o jegue que nos
derrube, já que não há cavalo que nos carregue, como diria Gil Vicente. A
mais recente manobra fiscal da dupla Guido Mantega-Miriam Belchior
(Santo Deus! Até onde chegaremos?) foi de tal sorte estupefaciente, em
sentido amplo, que as pessoas com alguns miolos se quedaram
narcotizadas. A ligeireza com que Dilma tentou transformar deficit em
superavit é uma aberração aritmética, técnica e jurídica.
É uma aberração aritmética porque o superavit a que se vai chegar não
existirá; será apenas mais um exercício do que já se chamou
contabilidade criativa. É uma aberração técnica porque a definição de
superavit primário --ainda que seja uma jabuticaba só nossa-- não está
sujeita a delírios subjetivos; a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
original, que permitia a subtração de R$ 67 bilhões referentes a obras
do PAC e a desonerações já era, em matéria de economia, uma licença
poética. E é uma aberração jurídica porque a LDO tem prescrição
constitucional, devidamente explicitada no artigo 165 da Carta. Não pode
ser jogada no lixo. Mais: Dilma está infringindo a lei 1.079, que
define os crimes de responsabilidade.
O grupo político que mentiu de forma descarada para ganhar a eleição;
que atribuiu ao adversário intenções que, na verdade, eram suas, como
resta patente --e não vou lhe facilitar a vida entrando no mérito se as
"medidas amargas" eram ou não necessárias--; esse mesmo governo decidiu
agora se comportar como um fora-da-lei, pedindo ao Congresso que lhe dê
carta branca para ignorar a Constituição.
Se o remendo à LDO for aprovado, é evidente que cabe uma ação direta de
inconstitucionalidade. E o Supremo terá de dizer se enverga uma toga ou
um cabresto.
E Dilma não dá sinais de que tenha aprendido alguma coisa. No Qatar,
certamente colhida pelos ventos opostos e combinados do deserto e do
Golfo, sugeriu que esse negócio de ignorar metas fiscais é uma tendência
das principais economias do mundo, o que me parece um sinal de que ela
adotou um método.
Quando é mesmo a eleição de 2018? Tomara que chegue até lá!
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