Fernando Gabeira
21 Novembro 2014 | 02h 03
Passada uma semana do juízo final, ainda me
pergunto cadê a Dilma. Ela disse que as contas públicas estavam sob
controle e elas aparecem com imenso rombo. Como superar essa traição da
aritmética? Uma lei que altere as regras. A partir de hoje, dois e dois
são cinco, revogam-se as disposições em contrário.
Os sonhos de hegemonia do PT invadem a matemática, como Lysenko invadiu a
biologia nos anos 30 na Rússia, decretando que a genética era uma
ciência burguesa. A diferença é que lá matavam os cientistas. Aqui tenho
toda a liberdade para dizer que mentem.
Cadê você, Dilma? Disse que o desmatamento na Amazônia estava sob
controle e desaba sobre nós o aumento de 122% no mês de outubro. Por
mais cética que possa ser, você vai acabar encontrando um elo entre o
desmatamento na Amazônia e a seca no Sudeste.
Cadê você, Dilma? Atacou Marina porque sua colaboradora em educação era
da família de banqueiros; atacou Aécio porque indicou um homem do
mercado, dos mais talentosos, para ministro da Fazenda. E hoje você
procura com uma lanterna alguém do mercado que assuma o ministério.
Podia parar por aqui. Mas sua declaração na Austrália sobre a prisão dos
empreiteiros foi fantástica. O Brasil vai mudar, não é mais como no
passado, quando se fazia vista grossa para a corrupção. Não se lembrou
de que seu governo bombardeou a CPI. Nem que a Petrobrás fez um
inquérito vazio sobre corrupção na compra de plataformas. A SBM
holandesa confessou que gastou US$ 139 milhões em propina.
E Pasadena, companheira?
O PT está aí há 12 anos. Lula vez vista grossa para a corrupção? Se você
quer definir uma diferença, não se esqueça de que o homem do PT na
Petrobrás foi preso. Ele é amigo do tesoureiro do PT. A cunhada do
tesoureiro do PT foi levada a depor porque recebeu grana em seu
apartamento em São Paulo.
De que passado você fala, Dilma? Como acha que vai conseguir se
desvencilhar dele? A grana de suas campanhas foi um maná que caiu dos
céus?
Um dos traços do PT é sempre criar uma versão vitoriosa para suas
trapalhadas. José Dirceu ergueu o punho cerrado, entrando na prisão,
como se fosse o herói de uma nobre resistência. Se Dilma e Lula, por
acaso, um dia forem presos, certamente, dirão: nunca antes neste país um
presidente determinou que prendessem a si próprio.
Embora fosse um fruto do movimento de arte moderna no Brasil, Macunaíma é
um herói pós-moderno. Ele se move com desenvoltura num universo onde as
versões predominam sobre as evidências. Nesta primeira semana do juízo
final, pressinto a possibilidade de uma volta ao realismo.
É muito
aflitivo ver o País nessa situação, enquanto robôs pousam em cometas e
EUA e China concordam em reduzir as emissões de gases de efeito estufa. O
realismo precisa chegar rápido para a equação, pelo menos, de dois
problemas urgentes: água e energia. Lobão é o ministro da energia e foi
citado no escândalo. Com perdão da rima, paira sobre o Lobão a espada do
petrolão. Como é que um homem desses pode enfrentar os desafios
modernos da energia, sobretudo a autoprodução por fontes renováveis?
Grandes obras ainda são necessárias. Mas enquanto houver gente querendo
abarcar o mundo a partir das estatais, empreiteiras pautando os
projetos, como foi o caso da Petrobrás, vamos patinar. O mesmo vale para
o saneamento, que pode ser feito também por pequenas iniciativas e
técnicas, adequadas ao lugar.
Os homens das empreiteiras foram presos no dia do juízo final. Este pode
ser um caminho não apenas para mudar a política no Brasil, mas mudar
também o planejamento. A crise hídrica mostra como o mundo girou e a
gente ficou no mesmo lugar. Existe planejamento, mas baseado em
regularidades que estão indo água abaixo com as mudanças climáticas.
O dia do juízo final não foi o último dia da vida. É preciso que isso
avance rápido porque um ano de dificuldades nos espera. Não adianta
Dilma dizer que toda a sua política foi para manter o emprego. Em
outubro, tenho 30.283 razões para desmentir sua fala de campanha: postos
de trabalho perdidos no período.
Não será derrubando a aritmética, driblando os fatos que o governo
conseguirá sair do seu labirinto. O desejo de controlar a realidade se
estende ao controle da própria oposição. O ministro da Justiça dá
entrevista para dizer como a oposição se deve comportar diante do maior
escândalo da História. Se depois de saquear a Petrobrás um governo
adversário aconselhasse ao mais ingênuo dos petistas como se comportar,
ele riria na cara do interlocutor. Só não rio mais porque ando
preocupado. Essa mistura de preocupação e riso me faz sentir personagem
de uma tragicomédia.
Em 2003, disse que o PT tinha morrido como símbolo de renovação. Me
enganei. O PT morreu muitas vezes mais. Tenho de recorrer ao Livro
Tibetano dos Mortos, que aconselha a seguir o caminho depois da morte,
sem apego, em busca da reencarnação. Em termos políticos, seria
render-se à evidência de que saqueou a Petrobrás, comprou, de novo, a
base aliada e mergulhar numa profunda reflexão autocrítica. No momento,
negam tudo, mas isso o Livro Tibetano também prevê: o apego à vida
passada é muito comum. Certas almas não vão embora fácil.
A crise é um excelente psicodrama: o ceticismo político, a engrenagem
que liga governo a empreiteiras, o desprezo pelas evidências, tudo isso
vira material didático.
Dizem que Dilma vive uma tempestade perfeita com a conjunção de tantos
fatores negativos. Navegar num tempo assim, só com o preciso
conhecimento que o velho Zé do Peixe tinha da costa de Aracaju, pedra
por pedra, corrente por corrente.
No mar revolto, sob a tempestade, os raios e trovões não obedecem aos marqueteiros. Por que obedeceriam?
O ministro da Justiça vê o incômodo de um terceiro turno. Não haverá
terceiro turno, e, sim, terceiro ato. E ato final de uma peça de teatro
é, quase sempre, aquele em que os personagens se revelam. Por que esses
olhos tão grandes? Por que esse nariz tão grande, as mãos tão grandes,
vovozinha?
*Fernando Gabeira é jornalista
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