Câmara adultera proposta de profissionalização da gestão de empresas públicas, para que continue a ser possível aparelhar as companhias
Editorial O Globo
Não demorou para o governo interino de Michel Temer sofrer uma primeira
derrota séria. Ele conseguiu aprovar, nos dois turnos exigidos, a
emenda constitucional da DRU (Desvinculação de Recursos da União),
extensiva a estados e municípios, peça básica no vital ajuste das contas
públicas, mas perdeu, na madrugada de ontem, também na Câmara, na
votação do projeto, remetido pelo Senado, de moralização da gestão das
empresas estatais.
Se a DRU, ao liberar da vinculação a despesas específicas a parcela de
30% do Orçamento, é essencial para permitir cortes e remanejamentos de
verbas, a fim de que o governo Temer comece a conter o mortal
crescimento da dívida pública em relação ao PIB, a regulação das
estatais aprovada no Senado representa um antídoto essencial contra o
uso político das empresas públicas.
O tema também é estratégico, haja vista que foi o aparelhamento de
empresas públicas que permitiu o assalto ao Tesouro por meio de esquemas
de corrupção montados na Petrobras e Eletrobras, para citar as mais
conhecidas.
O projeto, do senador Tasso Jereissati (PSDBCE), visa a enfim
profissionalizar a gestão dessas companhias. Elas são uma enorme gazua
com a qual grupos políticos, corporações as mais variadas, todos aliados
dos poderosos de turno, abrem os cofres públicos para saquear os
contribuintes. Afinal, as estatais, cedo ou tarde, recorrem ao Tesouro
para se recapitalizar.
O petrolão, em fase de desmantelamento pela Operação Lava-Jato, mostra
como se dá este assalto. A atuação de deputados para mudar o projeto
ajuda a dar relevância à lei e a chamar atenção para que a proposta
original seja defendida.
Não sem motivos, por exemplo, foi subtraído do texto aprovado no Senado
o veto a que pessoas que tenham, nos últimos três anos, atuado na
política partidária, em campanhas eleitorais e no meio sindical sejam
nomeadas para cargos de direção nas estatais.
Aprovado o projeto de lei, não será possível, por exemplo, nomear para
presidir a Petrobras um outro José Sérgio Gabrielli, militante petista,
sindicalista, sob quem ocorreu o assalto que ajudou a quebrar
virtualmente a empresa.
Outra alteração sintomática foi reduzirem de 25% para 20% a parcela nos
conselhos administrativos a ser preenchida por profissionais
independentes — na verdade, deveria até ser uma proporção maior.
A intenção, portanto, é clara: manter espaço para o aparelhamento, o
uso político e partidário das empresas estatais. Não há alternativa a
não ser o Senado, ao receber o projeto de volta — por ter sido alterado
na Câmara —, restabelecer o texto original.
Deve-se, ainda, tratar de proteger na Câmara outro projeto, este do
senador José Serra (PSDB-SP), o qual, no mesmo sentido da proposta sobre
estatais, enquadra os fundos de pensão das empresas públicas em regras
idênticas. Como eles são outro espaço aberto à corrupção de políticos,
partidos e sindicatos, é preciso evitar que ocorra o mesmo.
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