Jean Galvão/Folhapress | ||
Ilustração da ministra Cármen Lúcia, que assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal |
A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, presidente eleita
do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de
Justiça), diz que vai "inverter os organogramas", abrindo um canal
direto de comunicação com juízes, advogados e servidores, em benefício
do cidadão usuário da Justiça.
Ela pretende marcar sua gestão no STF, a partir de 12 de setembro, como
um exercício de "pacificação social". Sua maior preocupação é a
superpopulação carcerária e a situação das presas grávidas. "É uma
prioridade que vou levar no colo", afirma.
Cármen Lúcia nega que chegará ao comando do Judiciário "com a faca nos dentes". É considerada uma magistrada disciplinada.
Ex-aluna de um internato de freiras, diz ter "uma madre superiora" dentro de si.
No julgamento do mensalão, seu controle interno deve ter falhado, e ela
insinuou que o ministro Joaquim Barbosa daria "um salto social" como
relator da ação penal.
Quando proferiu seu voto pela condenação de Delúbio Soares, criticou a
defesa do ex-tesoureiro do PT, que encampou a tese do caixa dois. "Acho
estranho e muito, muito grave, que alguém diga com naturalidade que
houve caixa dois. Caixa dois é crime", afirmou.
Sem citar a ministra, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)
afirmou em nota assinada pela então presidente, Marina Dias, que "não
cabe ao Judiciário dizer quais teses a defesa pode ou não pode
sustentar".
Religiosa, a ministra votou a favor da Marcha da Maconha, da cota para negros, da união gay e do aborto de anencéfalos.
"Ela sabe separar fé e jurisdição", diz o ex-presidente do TRF-4, desembargador Vladimir Passos de Freitas.
É defensora da liberdade de expressão. Votou pelo afastamento da exigência de autorização para a publicação de biografias.
Cármen Lúcia foi ao sul da Bahia antes de votar sobre o conflito entre
índios pataxós e fazendeiros e a Roraima, para votar no caso Raposa
Serra do Sol.
Foi ao Maranhão e conheceu a realidade do presídio de Pedrinhas.
A mineira de Montes Claros foi indicada a Lula por Sepúlveda Pertence, ministro aposentado do STF.
Ela confessou ao arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, dom Walmor
Oliveira de Azevedo, que não teria havido sua nomeação sem a
participação da PUC, onde dava aulas de Direito Constitucional.
Foi procuradora-geral de Minas na gestão do governador Itamar Franco
(1999-2002). Anos antes, Itamar frequentou seu escritório de advocacia.
Ao ser confirmada para o STF, ouviu do político mineiro José Aparecido
de Oliveira que iria "sofrer o cargo de ministra do Supremo".
BLAZER E CALÇA
Juízes e advogados lembram que a então procuradora era uma crítica do
Judiciário e batia forte nos juízes. Há quem tenha dúvidas sobre sua
capacidade de enfrentar os grupos de pressão. Há os que criticam os
discursos com frases de efeito, além do gosto pelas luzes da ribalta.
"Espero que a presidente do STF esteja bem atenta ao grave momento da
vida nacional", diz Ana Lúcia Amaral, procuradora regional da República
aposentada.
"Se a população, em geral, reconhece e apoia a atuação do juiz federal
Sergio Moro, isso não significa que todas as instâncias sejam igualmente
aplaudidas. Se não se pode julgar em função do clamor popular, não é
possível continuar julgando de costas para a mesma sociedade", diz a
procuradora.
Cármen Lúcia, 62, chegou ao STF em 2006. Primeira mulher
a presidir o Tribunal Superior Eleitoral e segunda a presidir o STF –a
primeira foi Ellen Gracie–, Cármen Lúcia já disse que "temos grande
número de mulheres juízas, mas nos tribunais são minoria". Em 2007,
quebrou a tradição e entrou no plenário de blazer e calça comprida.
Cármen Lúcia é solteira. A música e a literatura são os seus hobbies. Em
casa, gosta de escrever e de ler processos ouvindo "O Cisne", de
Camille Saint-Saëns, e a trilha sonora do filme "A Liberdade é Azul",
composta por Zbigniew Preisner.
Entre os livros preferidos estão "Fio da Navalha", de Somerset Maugham,
"Romanceiro da Inconfidência", de Cecília Meireles, "A Divina Comédia",
de Dante, "Crime e Castigo", de Dostoiévski e "Grande Sertão - Veredas",
de Guimarães Rosa.
No STF e no CNJ, promete cumprir o regimento em relação a prazos para
devolução de processos com pedidos de vista e julgamento de liminares.
"Quero pautas realistas, que não surpreendam ninguém", diz. Um dos
objetivos é evitar a frustração de advogados que viajam a Brasília e
cujos processos pautados não são julgados.
Ela convidou a cientista política Maria Tereza Sadek para presidir o
Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ. Sadek participou de um
grupo de consultores criado na gestão do ministro Gilmar Mendes,
esvaziado pelo sucessor, Cezar Peluso.
O relacionamento com as entidades de magistrados não seguirá o estilo de
Joaquim Barbosa –que tratava os representantes da magistratura como
sindicalistas– nem o de Ricardo Lewandowski, apontado como alguém que
abriu as portas do CNJ ao corporativismo.
Quando viajava, Lewandowski descumpria o regimento e não convocava
sessões que deveriam ser presididas por Cármen Lúcia. Numa única sessão
em que substituiu o presidente, ela julgou 50 processos. A média dele é
de cinco por sessão.
O juiz Rubens Curado, ex-conselheiro do CNJ, participou da sessão
presidida por Cármen Lúcia. Ele diz que "a gestão 'paz e amor', que
esvaziou o órgão de controle, está com os dias contados".
Cármen Lúcia deverá herdar a tarefa de reformar o estatuto da
magistratura. Em 2015, criticou a proposta de Lewandowski: "Do jeito que
está, não passa. Privilégios são incompatíveis com a República". Em
2012, foi pioneira ao divulgar o seu contracheque no site do TSE.
Concordou com Gilmar Mendes, que previu neste ano "um encontro marcado" para rever "extravagâncias" como o auxílio-moradia.
Votou com a maioria quando o plenário decidiu que réu condenado pode ser preso após confirmação da sentença em segundo grau.
O juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato, elogia "sua excelente
reputação". Lembra que ela foi relatora da ação que resultou na prisão do ex-deputado Natan Donadon, por desvio de dinheiro público, "rompendo a tradição de impunidade".
Cármen Lúcia diz que continuará dirigindo o seu Astra até o tribunal. E
que dispensará a segurança privada colocada à disposição dos presidentes
da Suprema Corte. Ela escolheu duas agentes da Polícia Federal para
acompanhá-la no STF e no CNJ.
FOLHA
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