Supremo. Em cerimônia com a presença de políticos investigados na Lava Jato, ministra assume presidência do STF; decano da Corte e Janot falam em ‘delinquência governamental
Beatriz BullaRafael Moraes MouraFábio Serapião / BRASÍLIA,
O Estado de S.Paulo
O Estado de S.Paulo
12 Setembro 2016 | 23h39
Discursos contra a corrupção no País dominaram a posse da ministra Cármen Lúcia
como presidente do Supremo Tribunal Federal na tarde desta
segunda-feira, 12. O decano da Corte, ministro Celso de Mello, e o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fizeram críticas à
“delinquência governamental”. Os discursos foram ouvidos por uma plateia
de políticos investigados na Operação Lava Jato, entre eles o
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) – sentado ao lado de
Cármen –, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Entre Renan e o presidente da República, Michel Temer, Cármen
pulou os tradicionais cumprimentos às autoridades presentes e direcionou
seu discurso à “Sua Excelência, o povo”. “Vivemos momentos tormentosos.
Há que se fazer a travessia para tempos pacificados. Travessia em águas
em revolto e cidadãos em revolta”, disse a nova presidente da Corte, a
segunda mulher a assumir a função.
Ela também defendeu a necessidade de garantir justiça aos
cidadãos. “Homens e mulheres estão nas praças pelos seus direitos e pelo
seus interesses. Quer-se um Brasil mais justo e é imprescindível que o
construamos. Cansamos de sermos País de um futuro que não chega nunca. O
futuro é hoje e há de ser construído pela união de todos, com direito
às diferenças e respeito à identidade de cada um.”
No discurso de apresentação da nova presidente, Celso de Mello
classificou o cenário atual como momento de “gravíssimos desafios”. Em
longo e duro pronunciamento, ele afirmou que os fatos recentes revelam
como se formou “no âmago do aparelho estatal e nas diversas esferas
governamentais da Federação uma estranha e perigosa aliança entre
determinados setores do Poder Público, de um lado, e agentes
empresariais, de outro, reunidos em imoral sodalício com o objetivo
ousado, perverso e ilícito de cometer uma pluralidade de delitos
profundamente vulneradores do ordenamento jurídico instituído pelo
Estado brasileiro”, disse o decano ao que chamou de “delinquência
governamental”.
Citando Ulysses Guimarães, o ministro afirmou que a corrupção é
“o cupim da República” e que “não roubar, não deixar roubar, pôr na
cadeia quem roube” é o primeiro mandamento moral. A fala do decano foi
mais longa do que a da própria presidente e recebeu fortes aplausos das
autoridades presentes.
Além de Renan e Lula, ouviram o duro discurso anticorrupção
outros investigados por suspeita de envolvimento em esquemas criminosos,
como o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), e o senador
Edison Lobão (PMDB-MA). Ao deixar a solenidade, Pimentel relativizou as
falas e disse que os ministros deixaram claro que a Corte irá primar
pelo direito à ampla defesa.
“Vivemos momentos tormentosos. Há que se fazer a travessia para tempos pacificados. Travessia em águas em revolto e cidadãos em revolta', Cármen Lúcia, nova presidente do Supremo Tribunal Federal
O procurador-geral da República aproveitou seu discurso para
defender o pacote de 10 medidas contra a corrupção, encaminhado ao
Congresso pelo Ministério Público. Janot afirmou que a Lava Jato
demonstra “cabalmente a falência do nosso sistema de representação”.
Ele disse ainda que o Brasil se vê diante de duas saídas: a
tentativa de abafar progressos, “calando os que bradam a verdade
inconveniente, promovendo mudanças cosméticas”, ou a “autodepuração na
busca de um novo arranjo democrático”. “Sinto que chegamos ao ponto do
nosso processo em que precisamos escolher com desassombro o caminho a
seguir”, afirmou Janot.
Justiça, diversão e arte. A nova presidente do Supremo
destacou que o sentimento de Justiça é buscado pela sociedade. “Justiça é
sentimento de que tem fome (...), porque sem ela a dignidade humana é
retórica. Sem Justiça sobra a força de uma pessoa sobre a outra. E, como
repito tanto, fome dói. Nosso encargo e compromisso é supri-la”, disse
Cármen Lúcia.
Segundo ela, o cidadão não está satisfeito hoje com o Poder
Judiciário e os juízes também não. “Faz-se urgente transformá-lo”,
afirmou a ministra.
A ministra manteve a tradição de fazer citações literárias e
musicais em sua fala. Mineira, fez referências aos conterrâneos Carlos
Drummond de Andrade e João Guimarães Rosa. “Em tempos cujo nome é
tumulto escrito em pedra, como diria Drummond, os desafios são maiores”,
disse. Um pouco antes, citou Riobaldo, um dos personagens de Grande Sertão: Veredas.
“Riobaldo afirmava que ‘natureza da gente não cabe em nenhuma certeza’.
Mas parece-me que natureza da gente não se aguenta em tantas
incertezas. Especialmente quando o incerto é a Justiça que se pede e que
se espera do Estado”.
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