13 setembro, 2016

Crítica à corrupção marca posse de Cármen Lúcia

Supremo. Em cerimônia com a presença de políticos investigados na Lava Jato, ministra assume presidência do STF; decano da Corte e Janot falam em ‘delinquência governamental

Beatriz BullaRafael Moraes MouraFábio Serapião / BRASÍLIA,

O Estado de S.Paulo
12 Setembro 2016 | 23h39

                                                             Foto: Dida Sampaio
 
A vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia
Discursos contra a corrupção no País dominaram a posse da ministra Cármen Lúcia como presidente do Supremo Tribunal Federal na tarde desta segunda-feira, 12. O decano da Corte, ministro Celso de Mello, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fizeram críticas à “delinquência governamental”. Os discursos foram ouvidos por uma plateia de políticos investigados na Operação Lava Jato, entre eles o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) – sentado ao lado de Cármen –, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Entre Renan e o presidente da República, Michel Temer, Cármen pulou os tradicionais cumprimentos às autoridades presentes e direcionou seu discurso à “Sua Excelência, o povo”. “Vivemos momentos tormentosos. Há que se fazer a travessia para tempos pacificados. Travessia em águas em revolto e cidadãos em revolta”, disse a nova presidente da Corte, a segunda mulher a assumir a função. 

Ela também defendeu a necessidade de garantir justiça aos cidadãos. “Homens e mulheres estão nas praças pelos seus direitos e pelo seus interesses. Quer-se um Brasil mais justo e é imprescindível que o construamos. Cansamos de sermos País de um futuro que não chega nunca. O futuro é hoje e há de ser construído pela união de todos, com direito às diferenças e respeito à identidade de cada um.” 

No discurso de apresentação da nova presidente, Celso de Mello classificou o cenário atual como momento de “gravíssimos desafios”. Em longo e duro pronunciamento, ele afirmou que os fatos recentes revelam como se formou “no âmago do aparelho estatal e nas diversas esferas governamentais da Federação uma estranha e perigosa aliança entre determinados setores do Poder Público, de um lado, e agentes empresariais, de outro, reunidos em imoral sodalício com o objetivo ousado, perverso e ilícito de cometer uma pluralidade de delitos profundamente vulneradores do ordenamento jurídico instituído pelo Estado brasileiro”, disse o decano ao que chamou de “delinquência governamental”. 

Citando Ulysses Guimarães, o ministro afirmou que a corrupção é “o cupim da República” e que “não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube” é o primeiro mandamento moral. A fala do decano foi mais longa do que a da própria presidente e recebeu fortes aplausos das autoridades presentes. 

Além de Renan e Lula, ouviram o duro discurso anticorrupção outros investigados por suspeita de envolvimento em esquemas criminosos, como o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), e o senador Edison Lobão (PMDB-MA). Ao deixar a solenidade, Pimentel relativizou as falas e disse que os ministros deixaram claro que a Corte irá primar pelo direito à ampla defesa.
“Vivemos momentos tormentosos. Há que se fazer a travessia para tempos pacificados. Travessia em águas em revolto e cidadãos em revolta', Cármen Lúcia, nova presidente do Supremo Tribunal Federal​
O procurador-geral da República aproveitou seu discurso para defender o pacote de 10 medidas contra a corrupção, encaminhado ao Congresso pelo Ministério Público. Janot afirmou que a Lava Jato demonstra “cabalmente a falência do nosso sistema de representação”. 

Ele disse ainda que o Brasil se vê diante de duas saídas: a tentativa de abafar progressos, “calando os que bradam a verdade inconveniente, promovendo mudanças cosméticas”, ou a “autodepuração na busca de um novo arranjo democrático”. “Sinto que chegamos ao ponto do nosso processo em que precisamos escolher com desassombro o caminho a seguir”, afirmou Janot. 

Justiça, diversão e arte. A nova presidente do Supremo destacou que o sentimento de Justiça é buscado pela sociedade. “Justiça é sentimento de que tem fome (...), porque sem ela a dignidade humana é retórica. Sem Justiça sobra a força de uma pessoa sobre a outra. E, como repito tanto, fome dói. Nosso encargo e compromisso é supri-la”, disse Cármen Lúcia.
 
Segundo ela, o cidadão não está satisfeito hoje com o Poder Judiciário e os juízes também não. “Faz-se urgente transformá-lo”, afirmou a ministra. 

A ministra manteve a tradição de fazer citações literárias e musicais em sua fala. Mineira, fez referências aos conterrâneos Carlos Drummond de Andrade e João Guimarães Rosa. “Em tempos cujo nome é tumulto escrito em pedra, como diria Drummond, os desafios são maiores”, disse. Um pouco antes, citou Riobaldo, um dos personagens de Grande Sertão: Veredas. “Riobaldo afirmava que ‘natureza da gente não cabe em nenhuma certeza’. Mas parece-me que natureza da gente não se aguenta em tantas incertezas. Especialmente quando o incerto é a Justiça que se pede e que se espera do Estado”.



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