10 dezembro, 2014

Gravatas ilibadas

Ruy Castro
 
RIO DE JANEIRO - Adoro saber que, como já passei dos doze anos, não perderei o sono esta noite porque amanhã tenho prova de latim no colégio. Ou de matemática. O fato de já não precisar me submeter a exames dessas matérias é a certeza de um sono profundo e restaurador. Na verdade, livre de tais fantasmas, hoje posso me deliciar com Ovídio ou Petrônio e até entender o fascínio de algumas pessoas pelo teorema de Pitágoras. 

Mas imagino que, por outros motivos, muita gente venha dormindo mal no Brasil: deputados, senadores, ministros, prefeitos, governadores, empreiteiros, executivos, tesoureiros de partidos e quem quer que esteja na mira da Operação Lava Jato --ameaçados de ver seus nomes divulgados como beneficiários do petrolão. Ninguém, não importa a altura do cargo, parece a salvo. 

O material em investigação é monumental: planilhas, contratos, balanços, documentos, contas bancárias, mensagens cifradas e, não por último, a delação premiada. Como boa parte das mutretas envolve negócios da Petrobras com o exterior, os americanos também estão vasculhando por conta própria, o que garante que, em futuro próximo, haverá quem não possa pôr os pés em Miami ou Orlando, para não correr o risco de ir preso. 

Impressionado com o alcance e minúcia desse pente-fino, eu próprio andei me investigando para descobrir se, sem saber, não me beneficiei com presentes e propinas como os que têm sido mimoseados aos sócios da corrupção. Por exemplo: nos últimos anos, ganhei relógios, gravatas, cortes de tecido, vinhos, uísques? Não, nem uma cesta de Natal. 

Aliás, ganhei gravatas, sim, mas de fonte ilibada. Há algum tempo, a jornalista Sonia Nolasco me presenteou com três gravatas de seu falecido marido, meu inesquecível amigo Paulo Francis --morto em 1997 pelos pecados da Petrobras. 

 

2 comentários:

  1. Prezada Leopoldina:
    primeira vez que comento neste blog e é para cumprimentá-la pelo texto colocado. Um belo texto para uma realidade amarga em que todos nós nos encontramos. Quando lemos textos assim, simples, sem firulas, mas que calam fundo em nós, vemos que o mundo (pessoas) se perdeu, ou está em vias de se perder definitivamente.
    Um cordial abraço.

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    1. Realmente, meu caro, este é um texto saboroso... simples, curto, objetivo e claro. Obrigada e volte logo, um abraço.

      Leopoldina

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