O fim do
Direito e do processo do trabalho! A destruição proposta pelo relator deputado Rogério Marinho na reforma trabalhista (PL 6.787/16)
Bacharel e Especialista em Direito e Bacharel em Economia
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho. Cursando Especialização em Direito Processual Civil na Damásio Educacional. Servidor Público Concursado do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, exercendo atualmente a função de Assistente de Gabinete de Desembargador.
A Câmara dos Deputados, por meio do parecer do relator na Comissão Especial de Reforma Trabalhista, Deputado Rogério Marinho, conseguiu transformar o projeto de lei em um verdadeiro monstro, cujo único objetivo é prejudicar severamente o trabalhador.
Aprovada tal aberração, é conveniente a mudança de nome do Direito do Trabalho para "Direito do Patrão" e do Direito Processual do Trabalho para "Direito Processual do Patrão".
Vejamos, sucintamente, a maior parte do que foi alterado/acrescido pelo, ainda pendente de votação, parecer do relator (analisar aprofundadamente ponto a ponto seria um trabalho homérico e, talvez, inútil, já que não se acredita que tamanho absurdo será aprovado pela "Casa do Povo"):
1) Dificultação do reconhecimento de grupo econômico empresarial para fins trabalhistas, exigindo prova detalhada de efetiva subordinação/controle de uma empresa em relação a outra e afastando expressamente a possibilidade de aplicação da legislação do trabalho rural (que prevê o grupo econômico por simples coordenação) para configuração do grupo econômico empresarial urbano. Sob a desculpa de “evitar abusos”, pretende-se, claramente, proteger o empregador (a “verdadeira” parte hipossuficiente, segundo pensam os idealizadores do “Direito do Patrão”);
2) Tenta validar expressamente o “contrato de facção”, assegurando-o ainda quando configurada exclusividade: “O negócio jurídico entre empregadores da mesma cadeia produtiva, ainda que em regime de exclusividade, não caracteriza o vínculo empregatício dos empregados da pessoa física ou jurídica contratada com a pessoa física ou jurídica contratante nem a responsabilidade solidária ou subsidiária de débitos e multas trabalhistas entre eles”. A proposta, por mais que tenha sido essa a intenção do legislador, não pode proteger fraudes comprovadas à legislação “trabalhista” (quando, por exemplo, uma empresa tem ingerência sobre a outra), que deverão continuar sendo combatidas e reprimidas;
3) Restringe severamente o que pode ser considerado tempo à disposição do empregador, em manifesto ataque ao atual entendimento do TST (Súmula 366);
4) Estipula que “O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho”, excluindo a atual ressalva legal (“naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”). Mudança que carrega uma mensagem muito clara: o trabalhador não é considerado hipossuficiente e nem merecedor de uma legislação protetiva, pelo legislador “reformista”;
5) Impõe que “Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei”, em manifesta tentativa de restringir a interpretação judicial, o que afronta diretamente a independência do Poder Judiciário e a Efetividade da Jurisdição;
6) Restringe, novamente, a atuação do Poder Judiciário, ao dispor que “No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”, em aberrante afronta ao Acesso à Justiça (exclui da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito) e à Efetividade da Jurisdição;
7) Esclarece, limitando, a responsabilidade do sócio retirante por dívidas da sociedade;
8) Confronta o entendimento da Súmula 268 do TST, ao exigir a necessidade de citação válida da parte reclamada para que a ação arquivada gere a interrupção da prescrição;
9) Estabelece a prescrição intercorrente nos processos trabalhistas, em afronta à Súmula 114 do TST;
10) Acaba com as “horas in itinere” e com o cômputo do tempo de deslocamento (da portaria até o local de trabalho), liquidando as Súmulas 90 e 429 do TST e atual previsão legal;
11) Acaba com o direito a feriados e a prorrogação do trabalho noturno dos trabalhadores que laboram a jornada de 12 x 36, em afronta à atual legislação e ao entendimento da Súmula 444 do TST;
12) Estipula a natureza indenizatória do intervalo intrajornada suprimido (contrariando a Súmula 437, III, TST) e limita o pagamento ao período suprimido (contrariando a Súmula 437, I, TST);
13) Estabelece, sem necessidade de negociação coletiva (como previsto no texto original da proposta), a possibilidade de usufruição das férias em três períodos;
14) Tenta criar, exclusivamente para os danos extrapatrimoniais decorrentes das relações de trabalho, uma disciplina jurídica própria e exclusiva. Mais uma aberração da proposta. Primeiro que, nitidamente, tenta-se afastar a possibilidade de responsabilização objetiva da empregadora em casos como os de acidente de trabalho. Segundo que estabelece a tarifação da indenização por danos imateriais, em afronta ao texto constitucional, que assegura o direito integral do ofendido à reparação pelos danos de índole moral sofridos (art. 5º, X, CF);
15) Passa a permitir o trabalho insalubre da gestante ou lactante, desde que seja apresentado “atestado médico que comprove que o ambiente não afetará a saúde ou oferecerá algum risco à gestação ou à lactação”;
16) Tenta salvaguardar a contratação “autônoma”, ao estipular que “A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação”. O Princípio da Primazia da Realidade – que, se fosse de conhecimento do relator, certamente teria sido “revogado” - impede que a formalidade prevaleça sobre a realidade. Existentes os requisitos, estará configurada a relação empregatícia. Dispositivo inócuo (tomara que ele não leia isso);
17) Regula o contrato de trabalho “intermitente”. O contrato será firmado, porém o empregado trabalhará quando o empregador necessitar e somente receberá quando for chamado: “Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, inclusive as disciplinadas por legislação específica”;
18) Tenta acabar com o direito a indenização por uso da imagem do empregado, ao autorizar expressamente que “Cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta no meio ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade desempenhada”, em afronta ao atual entendimento do Tribunal Superior do Trabalho;
19) Escancara as portas para todo e qualquer tipo de fraude (faz quase um convite a isso) no pagamento de salário, ao prever que “As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, vale refeição, mesmo pago em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário”, rasgando a proteção celetista atual, que prevê que “Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador”;
20) Acaba com a equiparação salarial em cadeia (Súmula 6, VI, b, TST);
21) Acaba com o direito à incorporação da gratificação de função percebida por 10 ou mais anos (contrariando a Súmula 372 do TST);
22) Menciona que “As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”, contrariando a forte tese jurisprudencial que exige negociação coletiva nas dispensas em massa;
23) Cria uma nova justa causa, decorrente de “perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão”;
24) Estipula a possibilidade de submeter as lides trabalhistas à arbitragem, em contrariedade ao atual entendimento do TST: “Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996”;
25) Cria o “termo de quitação anual de obrigações trabalhistas”, firmado perante o sindicato dos empregados da categoria” “com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas”;
26) Acaba com a contribuição sindical compulsória, sem realizar qualquer reforma estruturante no sindicalismo brasileiro. A despeito das críticas à contribuição sindical obrigatória, há nítido objetivo de matar os sindicatos de inanição mediante uma mudança brusca e sem qualquer reordenação das entidades. Concomitante a isso, temos a “prevalência do negociado sobre o legislado”. Receita perfeita para que seja “feita a festa” com os direitos trabalhistas;
27) Coloca ao livre arbítrio da negociação coletiva, além dos temas já constantes na proposta original e outras sutis pioras, o “enquadramento do grau de insalubridade” e a “prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho”, demostrando que, para o relator, a saúde do trabalhador é bem disponível;
28) Determina a “prevalência sobre a lei”, não só às negociações coletivas sobre determinadas matérias, mas também ao acordo individual “no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”;
29) Cria um rol taxativo de direitos infensos à redução ou supressão pela via da negociação coletiva, determinando, a contrario sensu, que as demais matérias podem ser exterminadas pela negociação coletiva (é o novo “princípio da livre destruição do empregado pela negociação coletiva”, um dos alicerces do “Direito do Patrão”);
30) Substitui a previsão de que “As condições estabelecidas em Convenção quando mais favoráveis, prevalecerão sôbre as estipuladas em Acôrdo” pela plena prevalência, em qualquer caso, do acordo sobre a convenção;
31) Veda a ultratividade da negociação coletiva (vide controvérsia em torno da Súmula 277 do TST);
32) Substitui os requisitos do Regimento Interno do TST e dos TRT´s por requisitos legais super rígidos para a elaboração de súmulas e outros enunciados, em possível afronta à autonomia dos tribunais para criarem seus regimentos internos (art. 96, I, a, CF). A criação de súmulas e outros enunciados não seria matéria adstrita aos regimentos internos das Cortes? Entende-se que sim;
33) Cria requisitos super rígidos para o deferimento da justiça gratuita [somente para aqueles que “perceberem salário igual ou inferior a 30% (trinta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”], jogando o ônus probatório da miserabilidade para aquele que receber acima disso e alegar insuficiência de recursos. A ideia, é claro, é prejudicar o trabalhador;
34) Estabelece ao beneficiário da justiça gratuita o ônus de suportar os honorários periciais caso seja sucumbente no objeto da perícia, em afronta ao artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal;
35) Generaliza a possibilidade de condenação em honorários advocatícios sucumbenciais na Justiça do Trabalho, afundando as Súmulas 219 e 329 do TST;
36) Cria uma disciplina própria de litigância de má-fé para as lides trabalhistas, de forma totalmente inútil, já que as disposições do CPC sempre foram aplicadas subsidiariamente, no particular;
37) Complexifica o procedimento de processamento e julgamento da exceção de incompetência territorial;
39) Acaba com a exigência de o preposto ser empregado da empresa, contrariando a Súmula 377 do TST;
40) Determina que, em caso de arquivamento por ausência à audiência inaugural do reclamante, mesmo o beneficiário da justiça gratuita, caso não prove um justo motivo para a ausência, deverá arcar com as custas do processo. O pagamento das referidas custas é condição para a proposição de nova ação. Violação aos artigos 5º, XXXV e LXXIV, da Constituição Federal;
41) Estipula a obrigatoriedade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no CPC ao Processo do Trabalho, ignorando que o incidente, aplicada a teoria menor de desconsideração, é completamente sem sentido;
42) Cerceia a possibilidade de execução de ofício do Judiciário, limitando-a apenas aos “casos em que as partes não estiverem representadas por advogado”. Retrocesso processual aberrante e injustificado, que viola a Efetividade da Jurisdição, o Princípio de Vedação ao Retrocesso Social e o Princípio da Celeridade Processual;
43) Insiste na atualização dos débitos trabalhistas pela TR, a despeito de tal índice já ter sido considerado inconstitucional, por não recompor as perdas inflacionárias, pelo TST e pelo próprio STF;
44) Estabelece que “A decisão judicial transitada em julgado somente poderá ser levada a protesto, gerar inscrição do nome do executado em órgãos de proteção ao crédito ou no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, nos termos da Lei, depois de transcorrido o prazo de sessenta dias a contar da citação do executado, se não houver garantia do juízo”, criando um prazo irracional e inexplicável de 60 dias “porque sim” (é o novo “Princípio da Proteção ao Empregador contra as Maldades da Justiça do Trabalho e do Empregado”);
45) Regula o requisito da transcendência da causa para conhecimento dos recursos de revista;
46) Estipula que o depósito recursal deve ser feito em simples conta judicial, e não mais na conta vinculada do FGTS do empregado;
47) Reduz pela metade o depósito recursal “para entidades sem fins lucrativos, entidades filantrópicas, empregadores domésticos, microempresas e empresas de pequeno porte”;
48) Menciona que “São isentos do depósito recursal os beneficiários da justiça gratuita e as empresas em recuperação judicial”, em contrariedade ao entendimento consolidado do TST;
49) Torna ainda mais clara a possibilidade de terceirização da atividade-fim da empresa, alterando a lei recém sancionada sobre o tema;
50) Estipula o prazo de 120 dias para a sociedade se preparar para a vigência desse desmonte social.
Um verdadeiro atentado terrorista aos direitos trabalhistas.
Somente uma reação URGENTE pode impedir que essa aberração seja aprovada pelo Parlamento.
Desesperador e nauseante. Inacreditável.
Bem-vindos ao Brasil, o único país em que o Direito do Trabalho (“Direito do Patrão”) protegerá o mais forte da relação.
Revoguem a lei áurea, é mais fácil.
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