Em julho de 2015, a Câmara Municipal de João Pessoa aprovou uma lei, a
13.041, que permitia o uso de tecnologia para ampliar a participação
popular em projetos de lei.
O pioneirismo, porém, encontrava obstáculo. "A gente acabava, por meio
das mídias sociais, como Facebook, Instagram e WhatsApp, recebendo uma
quantidade enorme de sugestões", afirma o vereador Lucas de Brito (PSL/Livres), o autor da lei.
O entrave chegou ao fim em 2017, quando a Casa adotou o aplicativo "Mudamos", lançado em 30 de março.
Desde então cinco propostas populares se tornaram realidade na plataforma e aguardam o endosso da população de João Pessoa.
Duas delas, Transporte Público Aberto e Lei de Aperfeiçoamento do
Sistema de Integração Temporal, pedem acesso a informações sobre linhas,
horários e localização do transporte coletivo e maior tempo para que o
usuário possa fazer a integração.
A pauta ainda contempla hospital veterinário público, atenção maior a
animais vítimas de atropelamento e incentivo ao uso de bicicleta.
O aplicativo foi lançado pelo ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade
do Rio de Janeiro), cofundado pelo advogado, pesquisador e professor Ronaldo Lemos e pelo ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade).
"Dois meses após o lançamento, o Mudamos já contava com 500 mil downloads", relata Lemos, um dos finalistas do Prêmio Empreendedor Social 2017.
A capital da Paraíba sai na frente para ter a primeira lei aprovada
usando a tecnologia e mobiliza poder público e cidadãos e redes da
sociedade civil, que enxergam na plataforma uma guinada para futuras
ações, como o Movimento de Transparência Partidária.
DEMOCRACIA
É o caso também do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que conta com o juiz Márlon Reis, um dos autores da Lei da Ficha Limpa, e parceiro do ITS na formulação do Mudamos.
O magistrado enxerga o aplicativo como um "recurso poderoso para a representação popular" por coletar de forma segura as assinaturas digitais por meio da tecnologia blockchain (sistema capaz de criar banco de dados único, seguro e certificado).
Isso porque, para consolidar a Ficha Limpa, Reis diz que foram quase dois anos para reunir 1,6 milhão de assinaturas, o que exigiu deslocamentos e ter que lidar com alto volume de papéis, além do risco de questionamento da autenticidade das assinaturas.
"Agora, tudo está ao alcance de um clique", diz Reis.
O sucesso da plataforma pode ser medido pelo engajamento, já que em um só dia, em 11 de maio, o Mudamos recebeu 4.000 ideias para projetos de lei. Hoje a plataforma tem mais de 7.000 sugestões a serem avaliadas.
Para ajudar a filtrar essas ideias e, mais, torná-las projetos a serem apreciados pelas instâncias governamentais, Lemos e o ITS criaram a Virada Legislativa, colocada à prova desde agosto.
A iniciativa consiste em reunir população, legisladores, especialistas, movimentos sociais e representantes públicos para debater as ideias e construir os projetos de lei.
"O ITS não tem a intenção de produzir leis, e sim fomentar a participação da sociedade, empoderá-la e ajudá-la a encontrar mecanismos para conciliar tecnologia e democracia e ser ouvida", diz Marco Konopacki, coordenador de projetos no instituto.
Dessa forma, Reis acredita que o Mudamos reeduca o cidadão no exercício da democracia. "Poucos brasileiros sabem, mesmo com movimentos como o da Ficha Limpa, que têm o poder de apresentar projetos de lei ao Congresso sem precisar dos representantes para isso."
Essa certeza encontra respaldo no artigo 61 da Constituição, que diz que Congresso ou Assembleias e Câmaras Municipais devem apreciar iniciativas populares ou projetos de lei que tenham a adesão de 1% do número de votantes da última eleição.
PROPOSTAS
Ao mesmo tempo em que cresce, a plataforma já se destaca pela diversidade de projetos, que incluem de limpeza de rios em Curitiba (PR) e incentivos a esportes em Joinville (SC) a orçamento justo em Teresópolis (RJ) e controle de fraude nas bombas de combustível no Rio.
A inovação tecnológica tem motivado de advogados, caso de Marcos Peixoto Mello Gonçalves (que propõe revogar o mandato de parlamentares corruptos), a coletivos como o SP Não Está à Venda (que pede plebiscito para privatizações na capital paulista), a inscreverem projetos na plataforma.
"A coleta de assinaturas para projeto de iniciativa popular demanda uma operação, importante, porque aborda a pessoa, dialoga com ela. Mas num bom dia eu coleto mil assinaturas. No aplicativo, em minutos, são 500 assinaturas", diz o sociólogo Américo Sampaio, gestor de projetos da Rede Nossa São Paulo, que encampa o plebiscito, inédito no município, para tratar das privatizações.
Ele diz que o Mudamos ajuda a disseminar boas ideias, mas destaca que outras iniciativas, como a Virada e a mobilização de grupos engajados, são fundamentais para que o conteúdo vá além da forma e do "fake news".
"Trabalhar questões políticas, hoje, no Brasil, é um desafio. E o Mudamos é mais uma ferramenta para nos ajudar a colocar conteúdo neste debate", afirma Sampaio.
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