Ingerência
política, má gestão, investimentos controversos e fraudes nos quatro
maiores fundos de pensão provocaram um buraco de R$ 113,5 bilhões nos
últimos cinco anos. Relatório da CPI pede o indiciamento de 146 pessoas
envolvidas nos casos
15/04/2016 20:00
- // Por: Gabriel Baldocchi e Luís Artur Nogueira
Desde
2011, o governo Dilma Rousseff tem quebrado inúmeros recordes
negativos. Na área fiscal, a deterioração das contas públicas
transformou o País numa bomba relógio, que explodirá nos próximos anos.
Na quarta-feira 13, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projetou que a
relação dívida/PIB do Brasil chegará a 91,7%, em 2021. Na economia, a
queda de 8% do PIB no biênio 2015-2016 representa a pior recessão da
história. Na política, a distribuição de cargos e ministérios para
tentar evitar o impeachment tem se mostrado um dos jogos mais nefastos
da Nova República.
E no quesito corrupção, o poço é bem fundo. Não
bastasse o escândalo desvendado pela Operação Lava Jato, os bilionários
fundos de pensão têm sido alvos de ingerência política, investimentos
controversos, má gestão e fraudes. Nos últimos cinco anos, os quatro
maiores players – Funcef (dos funcionários da Caixa), Previ (Banco do
Brasil), Petros (Petrobras) e Postalis (Correios) – acumularam uma
defasagem de R$ 113,5 bilhões em seus ativos. Até 2010, esses fundos
gozavam de excelente saúde financeira, com um superávit acumulado de R$
31,4 bilhões.
Ou seja, se fosse necessário efetuar o pagamento de
todos os benefícios naquela data, sobraria dinheiro no caixa. Desde
então, ano após ano, sucessivos déficits foram registrados e essa
gordura acabou sendo totalmente consumida até que, em 2014, os fundos
passaram a operar no vermelho. No ano passado, o quadro piorou ainda
mais e o buraco acumulado já chega a R$ 58 bilhões, o que demandará
aportes de recursos de trabalhadores, aposentados e do Tesouro Nacional,
que, em última instância, responde pelas estatais, conhecidas como
patrocinadoras dos fundos.
Cada fundo tem uma meta atuarial a ser
perseguida anualmente, que tem como referência a taxa de juros futura
paga pelos títulos públicos. Para atingi-la, os gestores diversificam os
investimentos, escolhendo os ativos que julgam ser mais promissores.
Porém, diante do esfarelamento da economia na gestão Dilma, muitos
ativos derreteram no mercado financeiro, afetando o caixa dos fundos.
Quem comprou ações da Vale e da Petrobras em 2010, por exemplo, conhece
bem o impacto desta destruição de valores.
Seria muita simplista,
no entanto, culpar apenas o ambiente macroeconômico no Brasil e no mundo
pelo desempenho desastroso dos fundos. Com a suspeita irregularidades
na gestão, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos
Deputados investigou o setor e ouviu testemunhas e suspeitos de
participarem de esquemas controversos entre 2003 a 2015. Após oito meses
de trabalho, foi concluído um relatório com 832 páginas, votado na
quinta-feira 14. Os deputados ficaram estarrecidos diante da
“caixa-preta”, nas palavras de Efraim Filho (DEM/PB), que presidiu a
CPI.
“Quando houver realmente um trabalho de força-tarefa nos
fundos de pensão, o rombo descoberto será maior que o da Petrobras na
Lava Jato”, afirmou à DINHEIRO (leia entrevista ao final da reportagem).
A comissão investigou 15 negócios realizados pelos quatro fundos de
pensão que, somados, geraram prejuízos de R$ 6,6 bilhões, por má gestão e
fraudes . O parecer do relator, deputado Sergio Souza
(PMDB/PR), pede ao Ministério Público Federal a cobrança judicial do
ressarcimento dos dirigentes e instituições privadas, além do
indiciamento de 146 pessoas.
Na lista, estão o
ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, condenado na Lava Jato por
corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e o empresário Adir Assad,
condenado na mesma operação por lavagem de dinheiro e associação
criminosa. Chamou a atenção dos parlamentares o fato de três dos quatro
fundos terem presidentes filiados ao PT. Os casos apurados pela CPI
possuem vários ingredientes encontrados em escândalos de corrupção:
nomeações políticas, decisões controversas, muito dinheiro e poucas
explicações.
Afinal de contas, o que justificaria um fundo de
investimento pagar R$ 4,00 por uma ação que vale R$ 1,60? Isso aconteceu
com a Petros, o fundo dos trabalhadores da Petrobras, que aumentou, em
abril de 2012, a sua participação no capital da Lupatech de 15% para 25%
por meio de subscrição de ações. O problema é que, entre o acordo
inicial e a concretização da operação, o valor das ações despencou de R$
4,00 para R$ 1,60. Além disso, o risco do investimento era enorme, pois
a Lupatech, fabricante de equipamentos e prestadora de serviços na área
de petróleo e gás, era excessivamente dependente da Petrobras, de onde
vinha mais de 50% do seu faturamento.
Diante das dificuldades
financeiras da estatal e da piora do mercado de petróleo, as ações da
Lupatech passaram a valer apenas alguns centavos. Resultado: prejuízo de
R$ 330 milhões para os participantes da Petros. No relatório da CPI, os
parlamentares recomendam à Previc (xerife do setor) e a outros órgãos
que “averiguem, desde o seu nascedouro, a aquisição de ações da Lupatech
pela Petros.” À DINHEIRO, o novo presidente da Previc, José Roberto
Ferreira, afirma que a autarquia “atua de maneira firme na supervisão do
sistema de previdência complementar fechado”.
Ressalta ainda que
“o órgão atuou em todas as situações levantadas pela CPI, antes mesmo da
sua existência”. A lista de casos controversos é grande. Um deles,
listado pela CPI, envolve a Gradiente e foi tema de reportagem de capa
da DINHEIRO em janeiro deste ano. Petros e Funcef investiram R$ 17
milhões cada numa proposta para reinserir a marca no mercado com
produtos novos. Na época do investimento, em 2011, a Gradiente já havia
aprovado um plano de recuperação judicial e estava havia anos sem
fabricar produtos.
A investigação concluiu que a avaliação dos
fundos sobre o negócio foi negligente e levava em consideração um laudo
apresentado pela própria empresa, com premissas otimistas. Menos de
cinco anos depois, os fundos deixaram o negócio, com prejuízo. Normalmente,
esse tipo de escolha arriscada de investimentos acontece por um dos
três motivos a seguir: ambição do gestor em buscar grandes retornos num
prazo curto; orientação política (leia-se ordem superior); ou obtenção
indevida de vantagem pessoal.
No primeiro caso, existem
regras claras que, se descumpridas, são passíveis de punições. Na
segunda situação, normalmente é difícil comprovar a ingerência política,
mas uma pista é acompanhar a postura dos conselheiros nomeados pelo
patrocinador (as estatais). Se ela for antagônica à dos conselheiros
indicados pelos trabalhadores, pode ser um sinal de alerta. “Os
acionistas minoritários (os trabalhadores), deveriam ter poder de veto
contra investimentos defendidos pela patrocinadora”, diz Paulo Furquim,
professor do Insper.
Na terceira situação, trata-se, na verdade,
de casos de polícia. “A boa imagem do nosso setor depende de que não
haja impunidade para quem cometeu crimes”, afirma José Ribeiro Pena
Neto, presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de
Previdência Complementar (Abrapp). Na segunda-feira 11, a Polícia
Federal (PF) indiciou sete investigados na Operação Positus, por gestão
fraudulenta, lavagem de dinheiro e apropriação de recursos do fundo
Postalis (Correios), no período de 2006 a 2011.
Segundo a PF,
houve desvios de US$ 95 milhões em duas operações que envolveram a
aquisição de títulos do mercado de capitais no exterior a preços 60%
maiores que o real valor de mercado. A CPI também investigou essas
operações nos casos denominados Atlântica I e Atlântica II. Deflagrada
em dezembro, a Positus indiciou o ex-presidente da Postalis Alexej
Predtchensky e o ex-diretor financeiro Adilson Florencio da Costa, que,
segundo os investigadores, são ligados ao PMDB e ao ex-ministro de
Energia Edison Lobão.
SAÚDE FINANCEIRA Dos quatro
grandes fundos de pensão investigados pela CPI, a Previ demonstrou um
controle mais apurado da avaliação de risco dos investimentos. Líder em
volume de ativos do País, a entidade resistiu por mais tempo ao cenário
adverso em relação aos outros fundos. O déficit acumulado de 2015, de R$
16 bilhões, foi o primeiro registrado desde 2003. Isso não impediu a
Previ de ingressar no ambicioso projeto da Sete Brasil, a empresa
constituída para afretar sondas para a Petrobras.
O fundo injetou
R$ 180 milhões na fase inicial da nova companhia, aporte inferior aos R$
350 milhões da Petros e da Funcef. Graças aos seus técnicos, a Previ
não atendeu à segunda chamada de capital, feita pela Sete Brasil, para
fazer frente à contratação de novas unidades. “A área técnica
identificou, com facilidade, outros fatores que elevaram o risco do
negócio”, afirma o relatório da CPI. O mesmo não ocorreu com a Funcef e a
Petros, que injetaram pouco mais R$ 1 bilhão cada.
A Sete Brasil
foi citada na Operação Lava Jato como fonte de propinas para os
dirigentes da própria companhia, da Petrobras e desvio de recursos para
Vaccari, que também foi tesoureiro do PT. Negócios como o da Sete Brasil
e o da Gradiente contribuíram para a sequência de resultados negativos
de Petros e Funcef nos últimos anos. No fundo de pensão da Caixa, os
déficits acumulados vêm sendo registrados desde 2011 e chegaram a R$
15,4 bilhões no ano passado. Na Petros, o histórico de tombos começa em
2013, alcançando R$ 19,7 bilhões.
O mais prejudicado é o Postalis,
no vermelho há cinco anos, e o que acumula o maior caso de negócios
suspeitos. “Os fundos se expuseram demais ao risco”, afirma Antonio
Augusto Miranda, membro do Fórum Independente em Defesa dos Fundos de
Pensão (Fidef). Procurados, Postalis e Previ afirmaram que iriam
aguardar a conclusão da CPI para se posicionar. A Funcef informou que
enviou mais de 44 ofícios à CPI e garantiu que os investimentos são
realizados sempre com observância aos princípios de liquidez, solvência e
equilíbrio.
Segundo a Petros, novos mecanismos foram adotados no
último ano para melhorar a governança e ampliar os controles, como a
criação de um comitê de monitoramento do risco de investimento e o
projeto de um portal da transparência, em que os contratos estarão
disponíveis para a consulta. O Fidefi apresentou propostas de
aprimoramento do marco regulatório aos membros da CPI. Entre as
sugestões, estavam, por exemplo, a extinção do voto de minerva, por
parte do presidente, na diretoria, e a transformação da Previc em uma
agência reguladora, com mandato para os diretores.
Para o
presidente da Previc, no entanto, já existe “autonomia administrativa”
em processos de “autuação e suspensão de dirigentes”. “Nenhum outro
agente, isoladamente, pode reformular administrativamente uma decisão
desta instância, e isso evidencia sua autonomia”, afirma Ferreira. A CPI
e os balanços dos fundos de pensão mostram que muita coisa precisa ser
melhorada. Reverter os déficits, com ou sem ajuda da macroeconomia, é
mais do que urgente. Se esse quadro não for alterado, novos aportes
serão requisitados, afetando o bolso de trabalhadores e aposentados,
além de corroer ainda mais os já combalidos cofres públicos.
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O rombo dos fundos será maior que o da petrobras na lava jato”
EFRAIM FILHO (DEM-PB), presidente da CPI dos Fundos de Pensão
Como o senhor avalia o resultado da CPI?
A
CPI conseguiu revirar essa caixa preta que são os fundos de pensão.
Antes, os aposentados se sentiam totalmente hipossuficientes, diminuídos
numa batalha desigual.
Foi possível apurar tudo?
Ainda
há muito a se apurar. Quando houver realmente um trabalho de
força-tarefa nos fundos de pensão, o rombo descoberto será maior que o
da Petrobras na Lava Jato.
Há relação entre a Lava Jato e os fundos?
O
déficit não é todo fruto de fraudes. Há uma questão conjuntural, mas
também há uma questão estrutural: há tráfico de influência, desvio de
finalidade dos negócios para atender interesses político-partidários e
isso tudo caracteriza essa gestão temerária. Esses pontos se assemelham
ao que aconteceu na Petrobras, com um agravante: lá era preciso ganhar
uma licitação, executar a obra e dentro dela superfaturar o contrato
para pagar propina. Nos fundos, é injeção de dinheiro na veia. Faz um
investimento em debêntures e vai direto na conta da empresa, monta um
projeto para investir e lá na frente o que a gente vê e default
(calote), como na Sete Brasil. Os fundos atenderam um projeto de poder
do governo.
A CPI comprovou a tese de aparelhamento?
Dos
quatro fundos investigados, três presidentes eram filiados ao PT,
grande parte vinda do núcleo do Sindicato dos Bancários. O relatório
traz o caso do João Vaccari Neto como um dos operadores do tráfico de
influência. Como tesoureiro do partido, ao indicar pessoas que tinham
vinculo partidário, esse diálogo fluía naturalmente de forma mais fácil.
Em delação, o lobista Milton Pascowitch admite, no caso da Engevix, ter
aproveitado a sua proximidade com o Vaccari para marcar uma reunião na
Funcef. O governo via os fundos como um dinheiro de governo, usou para
Belo Monte, para a Sete Brasil... Muitas vezes os fundos prestigiaram a
agenda do governo, que mostrou não ser uma agenda interessante para os
aposentados e pensionistas.
Qual foi o seu sentimento diante dos casos?
Percebi
que havia um campo muito grande a ser explorado. O que me sensibilizou
foi uma participação diuturna dos aposentados. Percebemos que estávamos
diante da face mais cruel dos escândalos, porque estavam roubando dos
aposentados. Costumamos ouvir que é a sociedade que paga pela corrupção,
mas pela primeira vez isso se materializou porque a conta está sendo
descontada no contracheque dos aposentados.