12 dezembro, 2015

Os 100 anos da Voz!!! THE VOICE...

GLOBO REPÓRTER - A MORTE DE FRANK SINATRA (TV Globo, 1998) 







De talento inigualável, cantor norte-americano, que faria cem anos, foi o artista mais generoso do século 20 e nos tornou melhores do que somos
RUY CASTRO
 
COLUNISTA DA FOLHA


Frank Sinatra –1915-1997, 100 anos neste sábado e a eternidade pela frente– foi o artista mais generoso do século 20. Numa carreira que, em 82 anos de vida, estendeu-se por sete décadas e abraçou três gerações de adoradores, nenhum outro nos deu excelência, sensibilidade e beleza em tal quantidade: cerca de 2.000 canções gravadas em estúdio e outras tantas extraídas de suas apresentações no cinema e em rádio, televisão, boates, teatros e estádios. Mas não era só a quantidade. Se, ao chegar para uma gravação, Sinatra sentisse que a voz não corresponderia às suas exigências, dizia aos 50 músicos da orquestra: “Senhores, o gogó não está em forma hoje. Passem no caixa. Retomaremos amanhã”.

Mais até do que seu antecessor e ídolo Bing Crosby, Sinatra emprestou dignidade à música popular, estabelecendo padrões quase inalcançáveis de rigor. E fez isso trabalhando com ferramentas –o timbre, a afinação, o fôlego, o fraseado, o ritmo– à mercê de uma simples corrente de ar. Com elas, desde 1939, deu corpo a melodias e letras que nos tornaram mais adultos, mais sábios e mais atentos. Muitos compositores dessas canções –Cole Porter, Jerome Kern, Harold Arlen, Johnny Mercer, a dupla Rodgers & Hart– eram grandes antes de Sinatra aparecer. Mas teriam sido tão grandes sem ele?

A resposta é, decididamente, não. “I've Got You Under my Skin”, “Ol’ Man River”, “I've Got the World on a String”, “One For My Baby” e “The Lady Is a Tramp” já tinham sido cantadas por todo mundo –mas só garantiram a sua passagem para este e para os séculos seguintes depois que ele as gravou. Sinatra fez isso também com compositores que vieram depois e, em boa parte, se inspiraram nele para compor: Matt Dennis (“Angel Eyes”, “I Fall in Love Too Easily”), Jimmy Van Heusen (“All the Way”, “Call me Irresponsible”), Cy Coleman (“Why Try to Change me Now?”, “Witchcraft”) e até o nosso Tom Jobim –a primeira pessoa em quem Tom e Dolores Duran pensaram ao compor “Por Causa de Você”, em 1957, foi Sinatra. Só que, para eles, na época, era mais fácil o homem chegar à Lua –frase de Dolores– do que o inatingível Frank Sinatra gravar uma de suas composições.


Ao nos fazer acreditar que falava de si próprio em tantas canções, Sinatra estava nos dizendo quem éramos, o que sentíamos, o que devíamos fazer diante dos sentimentos de conquista ou perda do amor. Se você tem cerca de 40 anos, pergunte a seus avós –eles se conheceram, se beijaram e se casaram nos anos 1940 ao som de Sinatra cantando “I'll Never Smile Again” ou “The Song is You” nos velhos discos de 78 rpm. Ou pergunte a seus pais –eles fizeram o mesmo ao som dos grandes LPs de Sinatra nos anos 1960, como “Nice ‘n’ Easy” e “Sinatra and Strings”. E, neste exato momento, apesar de todo o ruído circundante, há uma nova geração descobrindo Sinatra e vivendo as mesmas emoções que milhões já experimentaram –ou você pensa que só os macróbios sustentam a inesgotável oferta de Sinatra nas prateleiras de CDs e nas mídias contemporâneas?

O fato de milhões terem se entregado à magia de Sinatra é ainda mais notável porque, apesar da clareza de sua emissão, em que até seus pontos e vírgulas podiam ser ouvidos, muitos desses fãs não tinham domínio do inglês para entender as letras que escutavam. Não fazia diferença –a música de sua voz já continha significado suficiente.

Notar que, a partir da segunda metade dos anos 1950, a gravação em alta fidelidade, os LPs de 12 polegadas e os novos amplificadores e caixas já faziam justiça a Sinatra e às monumentais orquestras que o acompanhavam –de Nelson Riddle, Gordon Jenkins, Billy May. Se se tratasse de uma festa numa casa particular ou de um baile num clube social, bastava pôr um desses LPs para tocar –“Songs for Swingin’ Lovers”, “Where Are You”, “Only the Lonely”. A mudança na temperatura do ambiente era perceptível –homens e mulheres sentiam-se instantaneamente mais sedutores, ninguém ficava indiferente. Na verdade, se a contribuição de Sinatra tiver de ser resumida numa frase, esta poderia ser: ele nos tornou melhores do que somos. Ao ouvi-lo, pelos três minutos de cada faixa, esquecemos momentaneamente a brutalidade do século 20 e a nossa própria brutalidade.

Ironicamente, a vida de Sinatra foi marcada pela brutalidade. A começar por seu nascimento em Hoboken, Nova Jersey, perto de Nova York, neste mesmo 12 de dezembro, há cem anos. Era um bebê de 6,1 kg tentando sair de uma mulher de 1,5 m de altura. O médico conseguiu arrancá-lo, mas o fórceps rasgou-lhe o pescoço, a face e uma orelha, deixando marcas que o acompanhariam para sempre e ele nunca tentou disfarçar. Sinatra veio à luz, mas não respirava. O médico o deu como morto e foi socorrer a mãe. Sua avó pegou-o pelos tornozelos, levou-o para o tanque e o pôs debaixo de uma torneira fria. Foi dessa maneira brutal que Frank conheceu a vida. E, nos anos seguintes, as lições continuariam. Hoboken tinha quarteirões delimitados entre italianos, irlandeses, negros e judeus. Uma etnia não podia passar pelo território das outras. Frank descobriu isso da pior maneira, apanhando, aprendendo a se defender e se impondo em todas elas. Foi duro, mas, sem isso, talvez ele não cantasse, nem representasse ou sequer fosse daquele jeito –um homem tão terno quanto vingativo, tão frágil quanto onipotente.

Tudo já foi contado. A esta altura, são quase mil livros publicados a seu respeito –alguns, destruidores, a maioria, admirativos, e muitos, sérios e consistentes. Apenas nos últimos anos, Sinatra foi estudado à luz de cada canção, da história da música popular, da evolução do show business, das memórias dos amigos, mordomos e ex-namoradas, e até dos arquivos do FBI. Sim, ele tinha relações com a Máfia –quase todos os cantores americanos tinham, principalmente os italianos– e foi sócio ou principal atração de vários de seus cassinos. Sim, ele agrediu fotógrafos –dois ou três no decorrer de 50 anos, contra os milhares a quem se submeteu sorrindo. E, sim, ele se cercava de gente violenta –Lady Di também.

É fácil bater em Sinatra. Mais difícil é louvá-lo por ter socorrido cantores, compositores e músicos no desvio, zerando suas dívidas, pagando suas contas em hospitais e sendo amigo até o fim. Ou por nunca ter negado uma frase de admiração por colegas, mesmo aqueles que pareciam disputar seu público –Tony Bennett, Dean Martin, Vic Damone, Buddy Greco, Steve Lawrence, Bobby Darin. Ou pela informação de que tantas mulheres que ele conquistou sentiram-se conquistadas por ele para sempre –inclusive Ava Gardner.

Se não houvesse o Sinatra da música popular e apenas o do cinema, este continuaria a ser um centenário digno de comemoração. Embora, como ator, ele desse sempre a deliciosa impressão de ser um cantor de férias, deixou filmes que muitos atores-atores gostariam de ter feito: “Um Dia em Nova York” (1949), “A um Passo da Eternidade” (1954), “Meu Ofício é Matar” (1954), “Corações Enamorados” (1955), “Eles e Elas” (1955), “O Homem do Braço de Ouro” (1955), “Alta Sociedade” (1956), “Chorei por Você” (1957), “Meus Dois Carinhos” (1957), “Deus Sabe Quanto Amei” (1958), “Can-Can” (1960) e, principalmente,“Sob o Domínio do Mal” (1962). É verdade que em nenhum desses ele fazia Shakespeare (nem ficaria bem em calças justas). Mas Sinatra não precisava exatamente representar –os personagens se grudavam à sua personalidade, como por um ímã, e se tornavam… Sinatra.

Poucos povos foram tão apaixonados por Sinatra quanto o brasileiro. O compositor Ronaldo Bôscoli, um dos maiores garanhões nacionais de que se tem notícia, dizia que gostava mais de Frank Sinatra do que de mulher. E, durante décadas, não conseguíamos disfarçar uma certa dor de cotovelo pelo fato de ele nunca vir cantar aqui –sua chegada vivia sendo anunciada e desmentida. Até que, certa noite de 1980, quando ninguém mais acreditava nessa possibilidade, ele cantou para 150 mil pessoas no Maracanã –eu era uma delas.

Mas, antes disso, outra coisa a meu ver mais importante já tinha acontecido: no dia 11 de fevereiro de 1969, em Los Angeles, Sinatra gravou “Por Causa de Você”, de Tom e Dolores Duran, em Los Angeles, com o título de “Don't Ever Go Away” –cinco meses e oito dias antes de o homem pisar na Lua.
GRANDES MOMENTOS

1. Cantando com Bill Henri em 1938
2. Cercado pelas fãs em 1943
3. Show em Nova York em 1945
4. Fazendo seu próprio programa de TY em 1951
5. Ganhando o Oscar de coadjuvante em 1954
6. Com Elvis Presley na TV, em 1960
7. Fazendo temporada de shows em Las Vegas, no hotel Sands, em 1964
8. Gravando com Tom Jobim em 1967
9. Cantando para o Maracanã lotado em 1981
10. Fazendo seu show em São Paulo, no Hotel Maksoud Plaza, em 1981
11. Comemorando 80 anos em 1995
GRANDES ÁLBUNS
12. “The Voice of Frank Sinatra” (1946)
13. “In the Wee Smal Hours” (1955)
14. “Songs for Swingin’ Lovers” (1956)
15. “A Swingin’ Affair!” (1957)
16. “Come Fly with Me” (1958)
17. “Frank Sinatra Sings for Only the Lonely” (1958)
18. “Come Dance with Me!” (1959)
19. “Nice ‘n’ Easy” (1960)
20. “I Remember Tommy” (1961)
21. “Come Swing with Me!” (1961)
22. “It Might as Well Be Swing” (1964)
23. “September of My Years” (1965)
24. “Strangers in the Night” (1966)
25. “Frank Sinatra at the Sands” (1966)
26. “Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim” (1967)
27. “Sinatra & Company” (1971)
28. “Ol’ Blue Eyes Is Back” (1973)
29. Sinatra-Jobim Sessions (1979)
30. “Trilogy: Past Present Future” (1980)
31. “L.A. Is My Lady” (1984)
32. “Duets 2” (1994)
33. “Live & Swingin’: The Ultimate Rat Poack Collection” (2003)
SINGLES NO TOPO DAS PARADAS
34. “Dolores” (1941) - Gravada com The Pied Pipers
35. “In the Blue of Evening” (1942)
36. “There Are Such Things” (1942) - Gravada com The Pied Pipers
37. “Oh! What It Seemed to Be (1946)
38. “Five Minutes More” (1946)
39. “Mam'selle” (1947)
40. “Three Coins in th Fountain” (1954)
41. “Learnin’ the Blues” (1955)
42. “Strangers in the Night” (1966)
43. “Somethin’ Stupid” (1967) - Gravada com Nancy Sinatra
OS CASAMENTOS
44. Nancy Barbato (1939-1951)
45. Ava Gardner (1951-1957)
46. Mia Farrow (1966-1968)
47. Barbara Marx (1976-1998)
AS AMANTES
48. Marilyn Maxwell
49. Jill Corey
50. Lana Turner
51. Lauren Bacall
52. Juliet Prowse
OS FILHOS
53. Nancy Sinatra
54. Frank Sinatra Jr.
55. Tina Sinatra
56. Ronan Farrow
GRANDES AMIGOS
57. Humphrey Bogart
58. Dean Martin
59. Sammy Davis Jr.
60. Peter Lawford
61. Joey Bishop
OS MELHORES FILMES
62. “Marujos do Amor” (1945)
63. “A Bela Ditadora” (1949)
64. “Um Dia em Nova York” (1949)
65. “A um Passo da Eternidade” (1953)
66. “Eles e Elas” (1955)
67. “O Homem do Braço de Ouro” (1955)
68. “Alta Sociedade” (1956)
69. “A Volta ao Mundo em 80 Dias” (1956)
70. “Meus Dois Carinhos” (1957)
71. “Onze Homens e um Segredo” (1960)
72. “Sob o Domínio do Mal” (1962)
73. “Robin Hood de Chicago” (1964)
74. “O Expresso de Von Ryan” (1965)
75. “A Mulher de Pedra” (1968)
NO OSCAR
76. Melhor ator coadjuvante - “A um Passo da Eternidade” (1953)
77. Prêmio Honorário - “The House I Live In” (1946)
78. Prêmio Humanitário Jean Hersholt - 1970
79. Indicação: Melhor Ator - “O Homem do Braço de Ouro” (1955)
80. Melhor canção - “Three Coins in the Foutain” (1954)
81. Melhor canção - “All the Way” (1957)
82. Melhor canção - “High Hopes” (1959)
83. Indicação: Melhor Canção - “I Couldn't Sleep a Wink Last Night” (1943)
84. Indicação: Melhor Canção - “I Fall in Love Too Easy” (1945)
85. Indicação: Melhor Canção - ”(Love Is) The Tender Trap” (1955)
86. Indicação: Melhor Canção - “My Kind of Town” (1964)
BEIJOS NAS TELAS
87. Gina Lollobrigida, em “Quando Explodem as Paixões” (1959)
88. Grace Kelly, em “Alta Sociedade” (1956)
89. Kim Novak, em “Meus Dois Carinhos” (1957)
90. Raquel Welch, em “Lady in Cement” (1968)
91. Rita Hayworth, em “Meus Dois Carinhos” (1957)
COM QUEM GRAVOU
92. Tom Jobim
93. Count Basie
94. Bing Crosby
95. Dean Martin
96. Sammy Davis Jr.
97. Harry James
98. Tommy Dorsey
99. Duke Ellington 100. Nancy Sinatra




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