O escritor Ariano Suassuna morreu nesta quarta-feira. A informação é do Real Hospital Português, de Recife, onde o escritor estava internado desde a noite de segunda-feira. De acordo com a nota de falecimento, Suassuna teve uma parada cardíaca provocada pela hipertensão intracraniana.
A morte de Ariano Suassuna, aos 87 anos, no Recife, priva a sociedade brasileira de um personagem ao mesmo tempo singular e polêmico: escritor, teórico, homem de um nacionalismo apaixonado e de uma aversão epidérmica às influências estrangeiras na cultura nacional. Um escritor de grande ambição artística e de fina e metódica construção literária. E um professor/palestrante tão entusiasmado e hábil em tecer causos que bem poderia ser chamado de "showman" – se esse termo tão estrangeiro não fosse, com certeza, desagradar o próprio Ariano, que certa vez disse, textualmente, em Porto Alegre:
– Para mim essa coisa de Xô era a palavra que a gente usava para espantar galinha.
Pode-se dizer que Ariano Suassuna foi um escritor que teve sua vida – e sua obra, em consequência – drasticamente transformada pela História do Brasil. Ele nasceu em 16 de junho 1927, em Nossa Senhora das Neves, o nome de então da capital da Paraíba, quando seu pai, João Suassuna, era presidente do Estado. Três anos depois, já fora do governo, João foi morto durante as tensões políticas que se seguiram ao assassinato de seu sucessor João Pessoa, em 3 de outubro. O crime, passional, foi usado como estopim político para deflagrar a revolução que levaria Getúlio Vargas ao poder. Por boatos de seu suposto envolvimento na morte de João Pessoa, João Suassuna, de uma fação política oposta à de João Pessoa, foi assassinado no dia 9 de outubro de 1930, no Rio.
Com a morte do patriarca, a família Suassuna se mudou para Taperoá, no Sertão dos Cariris paraibano, em 1933. Ali, o menino Ariano teve contato pela primeira vez com as manifestações tradicionais nordestinas (como cantadores, autos e violeiros) que seriam um dos eixos estruturantes de toda sua obra. Na adolescência, Ariano mudou-se para Recife, capital de Pernambuco, onde completou os estudos secundários e começou a estudar direito. Também foi ali que começou a participar dos primeiros encontros com os círculos artísticos locais. Sua primeira obra, a tragédia Uma Mulher Vestida de Sol, veio a público em 1947, quando o então jovem escritor contava 20 anos. Na peça, já despontavam os elementos que dariam coesão à obra de Suassuna pelas décadas seguintes: o casamento de referências da cultura erudita com as manifestações populares (o romanceiro nordestino, no caso de Uma Mulher Vestida de Sol).
Suassuna alcançou a consagração em 1955, com a estreia de O Auto da Compadecida, até hoje sua obra mais conhecida. A peça recebeu o prêmio da Associação Brasileira de Críticos de Teatro naquele ano e se tornou um dos espetáculos mais populares do teatro nacional – foi adaptado para o cinema com sucesso em duas ocasiões, com os Trapalhões interpretando a peça, em 1987, com direção de Roberto Farias, e em 1999, dirigida por Guel Arraes primeiro como minissérie para a TV Globo e, no ano seguinte, lançada como longa-metragem nos cinemas. Com o sucesso da peça e a publicação, em 1956, de seu primeiro romance, A História de Amor de Fernando e Isaura, Suassuna abandona de vez a carreira de advogado para assumir a cátedra de Estética na Universidade Federal de Pernambuco.
Suassuna a partir daí começa a alternar um ativo papel como agitador da cultura nordestina, em paralelo com sua produção ficcional. Em 1959, funda, com o romancista e dramaturgo Hermilo Borba Filho, o Teatro Popular do Nordeste, embrião do que viria a ser, em 1970, o Movimento Armorial, também capitaneado por ele. A proposta estética do Movimento Armorial era a de revisitar símbolos, sons, manifestações artísticas apropriados pela cultura popular brasileira, mas que remontam à cultura barroca ibérica. O objetivo era criar uma "forma de arte erudita baseada nas raízes populares da cultura brasileira".
Trabalhando na teoria e na prática, Suassuna apresentou, no ano seguinte, em 1971, seu grande Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai e Volta. O romance é vagamente inspirado em uma guerrilha sebastianista que se autoproclamou "reino independente" na primeira metade do século 19, na região de Pedra Bonita, na divisa entre Pernambuco e Paraíba. O episódio histórico é apenas o pretexto para uma delirante conjunção de arte universal e popular, bebendo na fonte do cordel, de romances policiais baratos, das lendas da Távola Redonda, do Quixote de Cervantes. Aprisionado por um crime, o narrador Dom Pedro Dinis Quaderna narra sua história até ali e as desventuras de sua família, na qual avulta a figura mítica do "rei castanho" – uma forma de Suassuna expressar na ficção o trauma de vida inteira da ausência do próprio pai.
Além de escritor, Suassuna esteve três vezes à frente de secretarias estaduais em Pernambuco. Foi Secretário de Educação e Cultura de 1975 a 1978; e de Cultura entre 1995 e 1998 (no governo Miguel Arraes) e assessor especial do governo de Eduardo Campos a partir de 2007. Foi eleito em 1989 para a cadeira de nº 32 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão de Genolino Amado. O patrono da cátedra é Araújo Porto Alegre.
Ao longo das últimos três décadas, Suassuna esteve dedicado à redação de um romance que, de passagem pela Jornada de Literatura de Passo Fundo, em 2005, definiu como a expressão total de seus interesses artísticos. Um livro que pretendia juntar gravura, cordel, teatro, poesia, prosa, repente, para contar a história da formação do povo brasileiro por quatro pontos de vista alegóricos: o de personagens que representam etnias fundamentais da nação. São eles um português, um índio, um negro e um semítico, referência às populações árabes e judaicas que tiveram grande influência na cultura nordestina. Uma obra de proporções monumentais que ele chamava, por isso mesmo, de "o livrão". Em março deste ano, Suassuna anunciou que um episódio desse grande livro seria publicado como uma obra autônoma, O Jumento Sedutor, um texto que transplanta A Metamorfose de Lúcio, de Apuleio, para o Nordeste.
A morte de Ariano Suassuna, aos 87 anos, no Recife, priva a sociedade brasileira de um personagem ao mesmo tempo singular e polêmico: escritor, teórico, homem de um nacionalismo apaixonado e de uma aversão epidérmica às influências estrangeiras na cultura nacional. Um escritor de grande ambição artística e de fina e metódica construção literária. E um professor/palestrante tão entusiasmado e hábil em tecer causos que bem poderia ser chamado de "showman" – se esse termo tão estrangeiro não fosse, com certeza, desagradar o próprio Ariano, que certa vez disse, textualmente, em Porto Alegre:
– Para mim essa coisa de Xô era a palavra que a gente usava para espantar galinha.
Pode-se dizer que Ariano Suassuna foi um escritor que teve sua vida – e sua obra, em consequência – drasticamente transformada pela História do Brasil. Ele nasceu em 16 de junho 1927, em Nossa Senhora das Neves, o nome de então da capital da Paraíba, quando seu pai, João Suassuna, era presidente do Estado. Três anos depois, já fora do governo, João foi morto durante as tensões políticas que se seguiram ao assassinato de seu sucessor João Pessoa, em 3 de outubro. O crime, passional, foi usado como estopim político para deflagrar a revolução que levaria Getúlio Vargas ao poder. Por boatos de seu suposto envolvimento na morte de João Pessoa, João Suassuna, de uma fação política oposta à de João Pessoa, foi assassinado no dia 9 de outubro de 1930, no Rio.
Com a morte do patriarca, a família Suassuna se mudou para Taperoá, no Sertão dos Cariris paraibano, em 1933. Ali, o menino Ariano teve contato pela primeira vez com as manifestações tradicionais nordestinas (como cantadores, autos e violeiros) que seriam um dos eixos estruturantes de toda sua obra. Na adolescência, Ariano mudou-se para Recife, capital de Pernambuco, onde completou os estudos secundários e começou a estudar direito. Também foi ali que começou a participar dos primeiros encontros com os círculos artísticos locais. Sua primeira obra, a tragédia Uma Mulher Vestida de Sol, veio a público em 1947, quando o então jovem escritor contava 20 anos. Na peça, já despontavam os elementos que dariam coesão à obra de Suassuna pelas décadas seguintes: o casamento de referências da cultura erudita com as manifestações populares (o romanceiro nordestino, no caso de Uma Mulher Vestida de Sol).
Suassuna alcançou a consagração em 1955, com a estreia de O Auto da Compadecida, até hoje sua obra mais conhecida. A peça recebeu o prêmio da Associação Brasileira de Críticos de Teatro naquele ano e se tornou um dos espetáculos mais populares do teatro nacional – foi adaptado para o cinema com sucesso em duas ocasiões, com os Trapalhões interpretando a peça, em 1987, com direção de Roberto Farias, e em 1999, dirigida por Guel Arraes primeiro como minissérie para a TV Globo e, no ano seguinte, lançada como longa-metragem nos cinemas. Com o sucesso da peça e a publicação, em 1956, de seu primeiro romance, A História de Amor de Fernando e Isaura, Suassuna abandona de vez a carreira de advogado para assumir a cátedra de Estética na Universidade Federal de Pernambuco.
Suassuna a partir daí começa a alternar um ativo papel como agitador da cultura nordestina, em paralelo com sua produção ficcional. Em 1959, funda, com o romancista e dramaturgo Hermilo Borba Filho, o Teatro Popular do Nordeste, embrião do que viria a ser, em 1970, o Movimento Armorial, também capitaneado por ele. A proposta estética do Movimento Armorial era a de revisitar símbolos, sons, manifestações artísticas apropriados pela cultura popular brasileira, mas que remontam à cultura barroca ibérica. O objetivo era criar uma "forma de arte erudita baseada nas raízes populares da cultura brasileira".
Trabalhando na teoria e na prática, Suassuna apresentou, no ano seguinte, em 1971, seu grande Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai e Volta. O romance é vagamente inspirado em uma guerrilha sebastianista que se autoproclamou "reino independente" na primeira metade do século 19, na região de Pedra Bonita, na divisa entre Pernambuco e Paraíba. O episódio histórico é apenas o pretexto para uma delirante conjunção de arte universal e popular, bebendo na fonte do cordel, de romances policiais baratos, das lendas da Távola Redonda, do Quixote de Cervantes. Aprisionado por um crime, o narrador Dom Pedro Dinis Quaderna narra sua história até ali e as desventuras de sua família, na qual avulta a figura mítica do "rei castanho" – uma forma de Suassuna expressar na ficção o trauma de vida inteira da ausência do próprio pai.
Além de escritor, Suassuna esteve três vezes à frente de secretarias estaduais em Pernambuco. Foi Secretário de Educação e Cultura de 1975 a 1978; e de Cultura entre 1995 e 1998 (no governo Miguel Arraes) e assessor especial do governo de Eduardo Campos a partir de 2007. Foi eleito em 1989 para a cadeira de nº 32 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão de Genolino Amado. O patrono da cátedra é Araújo Porto Alegre.
Ao longo das últimos três décadas, Suassuna esteve dedicado à redação de um romance que, de passagem pela Jornada de Literatura de Passo Fundo, em 2005, definiu como a expressão total de seus interesses artísticos. Um livro que pretendia juntar gravura, cordel, teatro, poesia, prosa, repente, para contar a história da formação do povo brasileiro por quatro pontos de vista alegóricos: o de personagens que representam etnias fundamentais da nação. São eles um português, um índio, um negro e um semítico, referência às populações árabes e judaicas que tiveram grande influência na cultura nordestina. Uma obra de proporções monumentais que ele chamava, por isso mesmo, de "o livrão". Em março deste ano, Suassuna anunciou que um episódio desse grande livro seria publicado como uma obra autônoma, O Jumento Sedutor, um texto que transplanta A Metamorfose de Lúcio, de Apuleio, para o Nordeste.
Relembre as principais obras de Suassuna
Relembre as adaptações de obras de Suassuna para cinema e TV
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As visitas de Ariano Suassuna ao RS
Fonte: Zero Hora
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