Foi difícil, dentre tantas, me decidi por uma das crônicas do escritor João Ubaldo Ribeiro para com ela prestar-lhe minha homengem.
Excepcionalmente, quebrei meu período de recuperação, para fazer minhas condolências a este cidadão exemplar que se chamava João Ubaldo Ribeiro.
Hoje em dia, tem gente que, não sei qual a
razão, não gosta de lembrar-se muito disto, mas quem está por dentro de
nossa História sabe que, sem o empenho decisivo dos itaparicanos, o
Brasil não teria conquistado sua independência política, não me canso de
repetir aqui. Os tempos são muito outros e lá se foi a época em que
imperadores e nobres nos visitavam. É fugaz a glória deste mundo e quem
hoje cavalga, amanhã pode ser cavalgado, já advertiam os antigos. Não é
sem certo amargor que essa situação é vista e receio que a posição
majoritária tem sido de descrença e repúdio quanto aos governantes, pelo
menos na voz de alguns itaparicanos de destaque.
- A
merdiocridade continua a dominar este país! - exclama, indignado Jacob
Branco, em discurso no Bar de Espanha. - A gente procura, procura e só
acha merdíocre! Eu, que já fui fanático pela nossa participação na
guerra da Independência, hoje tenho minhas dúvidas. É bem possível que
os portugueses já previssem que esta esculhambação nunca ia dar certo e,
aí, para a gente não desconfiar, fingiram que estavam querendo
continuar a encarar este abacaxi. Eles devem ter ficado muito aliviados,
quando a jogada deu certo e conseguiram se livrar do pepino que eles
mesmos criaram. Nossa posição só pode ser contra os merdíocres!
Portanto, contra todos os políticos, sem exceção! Vocês viram agora a
reforma do ministério. Antigamente ministério era para governar, hoje é
para ficar trocando um merdíocre por outro, conforme a necessidade do
momento. Já temos 39 ministérios, mas sempre se pode botar água no
feijão. Há muitas áreas ainda sem ministério, pode haver o Ministério da
Mandioca, o Ministério do Ambulante e do Camelô, o Ministério das
Festas Populares e muito mais, basta precisar, a fim de comprar algum
apoio.
O radicalismo de Jacob de fato parecia ter
contaminado toda a coletividade. Pode ser que uma pesquisa feita antes
de fatos que se desenrolaram recentemente revelasse que o grau de
rejeição aos políticos era talvez o mais alto do país. Mas quem, entre
seus cidadãos, conta com Zecamunista deve estar sempre preparado para
uma surpresa. Durante vários dias, ele ficou trancado em casa e até se
acreditava que estava viajando, na disputa de algum carteado.
-
Eu não estava viajando - esclareceu ele. - Estava calculando um esquema
de bolões para a Copa, pela internet. Vai movimentar um belo volume de
dinheiro.
- E pode fazer aposta e bolão na internet?
- Claro que pode. Aqui tudo pode, onde é que você nasceu e foi criado?
- É verdade. E o pessoal parece meio desanimado, ninguém quer votar em ninguém, ninguém acredita em ninguém.
-
Ah, isso não. Quer dizer, não acreditar em ninguém está certo, mas não
apoiar ninguém está muito errado. Precisamos é justamente do contrário.
No começo, eu pensei em fazer um seminário especial, mas teve quem
achasse que era seminário com padre, batina e latim, ficou muito
complicado. Aí eu estou criando a Agência Socialista de Distribuição de
Renda Eleitoral. É um esquema simples, com base numa premissa
indiscutível. É uma coisa de grande alcance socioeconômico.
- Qual é essa premissa?
-
O candidato se elege e passa mais pelo menos quatro anos no bem-bom,
quando não a vida toda. Já o eleitor só ganha desgosto. Não é justo,
agora vamos de Realpolitik, andei lendo sobre o assunto e cheguei a
excelentes conclusões. Quer dizer, vamos ser realistas, não vamos querer
desentortar a realidade, é dar murro em ponta de faca. Não, senhor, a
Agência de Distribuição de Renda Eleitoral terá como obter proveito
direto com o voto, beneficiar o eleitor. Já vimos que o voto em si não
costuma mudar nada, porque o eleito nunca mais vai nem falar com o
eleitor até a eleição seguinte, como de costume. O negócio é aproveitar e
malhar na hora certa, que é a hora em que o candidato dá importância ao
eleitor. Hoje isso só é praticado de forma muito desorganizada, a
agência vai corrigir tudo, pelo menos aqui na ilha. Mas quem quiser
adotar o modelo da Agência pode ir em frente, eu considero uma ideia
muito interessante para o eleitor.
- E como é que funciona a Agência?
-
É muito simples, como eu já disse. O candidato registra a candidatura
na Agência. Aí, quando ele pedir o voto a alguém, este alguém diz a ele
que espera algum retorno, de forma que ele deve procurar a Agência. Na
Agência, o pedido é analisado, cadastrado e cobrado na hora, para
repasse ao eleitor. Sem cadastramento e pagamento, o eleitor não vota. A
Agência vai procurar a melhor oferta e conduzir todas as negociações
com o candidato.
- Mas que oferta é essa?
-
Imagino que, basicamente, vai ser dinheiro, acho que a maior parte vai
querer dinheiro mesmo, mas isto não exclui outras vantagens mais
tradicionais, como uma dentadura, por exemplo. Estaremos prontos para
qualquer proposta, o eleitor é soberano. Uma coisa é certa: o voto vai
ser valorizado. E, depois da eleição, não importa o resultado, outro
passo essencial é declarar apoio integral aos eleitos. Quem quer que
ganhe, a gente apoia, estamos com os vencedores, damos festa, puxamos o
saco e aplaudimos em praça pública. Nunca mais a ilha estará afastada do
poder. E, como sempre, será por um Brasil melhor. Através do voto
comprado e pago decentemente, aliado ao adesismo construtivo, vamos
aperfeiçoar a nossa democracia. Comigo agora é na Realpolitik, estou em
sintonia com a realidade e sigo os profissionais.