Em
sua primeira manifestação pública sobre a Operação Lava Jato, Lula
comparou o petrolão ao mensalão. Fez isso para insinuar que o novo
escândalo terá um julgamento político. “Estamos assistindo à repetição
de um filme com final conhecido”, disse ele na festa de 37 anos do PT.
Eis
o roteiro do filme que Lula antevê: “Pessoas são acusadas por meio da
imprensa, com base em vazamentos seletivos de uma investigação à qual
somente alguns têm acesso. Não há contraditório, não há direito de
defesa. E quando o caso chegar às instâncias finais da Justiça,
certamente o julgamento já foi feito pela imprensa, os condenados já
foram punidos. Restará apenas executar a sentença, como nós já vimos
nesse país.”
Em abril de 2014, numa entrevista
à emissora portuguesa RTP, Lula afirmara que o julgamento do mensalão
pelo STF “teve praticamente 80% de decisão política e 20% de decisões
jurídicas.” Acrescentara que “não houve mensalão” e que “o processo foi
um massacre que visava destruir o PT.”
Lula fez a analogia entre
os dois escândalos que enodoam a Era petista num discurso escrito. Ao
explicar à plateia que o ouvia num auditório de Belo Horizonte por que
desistira de falar de improviso, o morubixaba do PT desancou a Polícia
Federal e saiu em defesa do tesoureiro do PT João Vaccari Neto, que
havia sido recolhido em casa na véspera, para prestar depoimento.
“Não
tenho por hábito ler discurso num encontro do PT”, disse Lula. “Mas eu
ontem fiquei indignado. Então, tomei muito cuidado para não repassar
aqui, nessa festa de 35 anos, a indignação. Seria muito mais simples a
Polícia Federal ter convidado nosso tesoureiro para se apresentar do que
ir buscá-lo em casa.” Lula se absteve de recordar que os agentes
federais foram à residência de Vaccari por ordem da Justiça. Executavam
um mandado judicial de condução coercitiva do investigado.
Lula
reiterou a comparação entre os escândalos: “Estão repetindo o mesmo
ritual que eu vejo nesse Brasil desde 2005, quando começaram as
denúncias que eles chamaram de mensalão. Toda quinta-feira começam a
sair boatos. Na sexta-feira sai a denúncia, é publicado pelas revistas.
Sai na televisão no sábado. No domingo, o massacre pela imprensa. E na
segunda-feira começa um outro assunto, para na outra semana começar tudo
outra vez. É um ritual. Está se repetindo.”
De fato, repete-se
agora um filme velho, uma ficção estrelada por Lula. Tem um enredo
fantástico, rodado num país imaginário. Um enredo bem brasileiro. Nele,
um gigantesco caso de corrupção é sucedido por outro muito maior. Os
suspeitos são sempre operadores amigos, correlegionários petistas,
aliados políticos e servidores nomeados sob Lula. Que “não sabia de
nada”. Em vez de condenar os assaltos, o ficcionista ataca os
investigadores, os procuradores, os repórteres e os magistrados que
ousam desvirtuar sua fábula.
Para Lula, “o critério adotado pela
mídia brasileira é o da criminalização do Partido dos Trabalhadores,
desde que nós chegamos no poder. Eles trabalham com a convicção de que é
preciso criminalizar o nosso partido. Não importa que seja verdade ou
não. O que interessa é a construção da versão, para se construir uma
narrativa. Então, eu pensei: se eu for falar tudo o que eu penso, vai
ser muito ruim, porque vai parecer que eu estou aqui falando com o
fígado. E eu não quero prejudicar o meu fígado aos 66 anos de idade.”
Ao
falar sobre a Petrobras, Lula acionou o fígado quase septuagenário para
borrifar bílis na oposição. “Nossos adversários não se incomodam que
essa campanha já tenha causado enormes prejuízos à Petrobras e ao país. O
que eles querem, na verdade, é criminalizar o PT, paralisar o governo e
continuar desgastando o nosso partido.” Nesse trecho do discurso, o
patrono de Dilma flertou com a modéstia e com o egoísmo.
Lula foi
modesto ao desconsiderar que “os enormes prejuízos à Petrobras” decorrem
de uma realização 100% sua. A estatal desceu ao balcão no seu primeiro
mandato, sob olhares inertes de Dilma, então presidente do Conselho de
Administração da Petrobras.
Sobrevieram os crimes, a paralisia e o
desgaste. Lula foi egoísta ao sonegar à oposição o direito de se opor. É
como se desejasse exercer o monopólio da oposição a si mesmo.
A
alturas tantas, Lula declarou que foi o PSDB que “tentou destruir a
Petrobras” durante a gestão FHC. “E o nosso governo que a resgatou,
retomou os investimentos que levaram à descoberta do pré-sal, e fizeram
da Petrobras a maior produtora mundial de petróleo entre as empresas de
capital aberto”, exagerou, esquecendo-se de mencionar que, na missão de
resgate da Petrobras, o petismo portou-se como um São Jorge que foi
salvar a donzela e acabou casando-se com o dragão.
Lula
prosseguiu: “A verdade está nos autos da investigação, mas não está nos
jornais nem na tevê… Havia corrupção nos contratos que a Petrobras
assinou com empresas estrangeiras no tempo deles. Isso nunca foi e nem
será investigado.” Referia-se ao trecho do depoimento do ex-gerente de
Serviços da Petrobras, o delator Pedro Barusco, em que ele contou ter
começado a receber propinas de uma empresa holandesa entre 1997 e 1998,
ainda sob FHC. Lula só soube disso porque as autoridades investigam e os
jornais noticiam.
Um dia depois da divulgação do depoimento em
que o delator Barusco estimou em até US$ 200 milhões as propinas
repassadas à tesouraria do PT, Lula inocentou integralmente a legenda:
“A verdade é que apesar de todo o alarido, não há nenhuma prova contra o
nosso partido nesse processo. Nenhuma doação ilegal, nenhum desvio para
o partido. Nada. O que eles querem é criminalizar o dinheiro legal que o
PT usou nas suas campanhas.”
Como que receoso de queimar a mão,
Lula afastou-a ligeiramente das labaredas: “Se algo de concreto vier a
ser encontrado, se alguém tiver traído a nossa confiança, que seja
julgado e punido dentro da lei, porque o PT, ao contrário dos nossos
adversários, não compactua e nem compactuará com a impunidade de quem
quer que seja.” Hã, hã…
Convidada a fechar a noite de discursos,
Dilma ecoou Lula num ponto. Ela também enxerga pendores golpistas na
oposição. “Os que são inconformados com o resultado das urnas só têm
medo de uma coisa: a mobilização da sociedade em defesa das instituições
e em repúdio a qualquer tentativa de golpe contra a manifesta vontade
popular.”
Dilma exibiu o muque de sua língua: os golpistas “têm
medo da democracia, nós temos força. Nós temos força porque estamos
juntos para enfrentar e vencer a ação dos que buscam retrocesso. Temos
força para resistir ao oportunismo e ao golpismo, inclusive quando ele
se manifesta de forma dissimulada. […] Estamos juntos para vencer
aqueles que tentam forçar catástrofes e flertam com a aventura.'' Por
ora, a descrição se encaixa como luva nos delatores que suam seus
dedos-duros para obter favores da Justiça. Uma aventura nova, que não
foi vivenciada na apuração do mensalão.
Quando a presidente Dilma e Lula cochicham cobrindo a boca como está na foto, quem perde é a Verdade.
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